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Direitos e deveres

Afinal, apê pode ser reformado na pandemia?

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Autor/Imagem:
Vinícius Nóbrega

Desde a declaração da pandemia de Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, inúmeras medidas de combate à disseminação do novo coronavírus vêm sendo adotadas por todo o país.

Os impactos na rotina dos brasileiros são inúmeros. Com as recentes determinações do governo e as orientações das autoridades sanitárias, instaurou-se um cenário de isolamento social sem precedentes, cujos reflexos podem ser percebidos em todas as áreas da vida em sociedade.

Não poderia ser diferente nas relações entre moradores de condomínios edilícios. A necessidade de ficar em casa somada à incerteza de quando voltaremos à normalidade, ou ao possível “novo normal”, tende a desestabilizar o convívio pacífico entre vizinhos.

Imagine, por exemplo, que em meio deste contexto tão delicado em que vivemos um cano se rompa em sua cozinha, inundando toda sua residência? Ou então que o apartamento acima do seu tenha tamanha infiltração que, caso não reparada imediatamente, poderá danificar seu imóvel? Seria aceitável a realização de obras mesmo durante o período de distanciamento social?

A legislação brasileira traz algumas respostas para este questionamento, em especial no Código Civil e na Lei n. 4.591/64. Por um lado, confere ao proprietário do imóvel o direito de usar, fruir e livremente dispor de sua unidade, desde que não o faça de forma abusiva. Por outro, garante que os demais moradores possam fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam o prédio, provocadas por vizinhos.

Como ponderar se a realização de obras, que certamente provocarão incômodos aos demais habitantes do condomínio, representaria um prejuízo tamanho ao sossego e à saúde daquela coletividade capaz de limitar o direito fundamental de propriedade do dono da obra?

O primeiro passo é entender qual a natureza da obra que se pretende realizar ou dar continuidade. Retomando às disposições do Código Civil, temos que as benfeitorias – aqui entendidas como despesas ou obras realizadas para a conservar, melhorar ou reparar o imóvel – podem ser classificadas como voluptuárias, úteis ou necessárias.

Em resumo, são voluptuárias as de mero deleite ou recreio, são úteis as que aumentam ou facilitam o uso do imóvel, e são necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Não há dúvidas de que as benfeitorias voluptuárias e as úteis podem ser postergadas para momento mais oportunos. Não haveria qualquer prejuízo ao dono do imóvel ao deixar de realizá-las agora em prol da coletividade do condomínio.

Contudo, algumas reformas necessárias, em especial àquelas de caráter emergencial, não podem ser deixadas de lado, mesmo que isto acabe por incomodar os moradores vizinhos.

Foi pensando nisso que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram no Projeto de Lei n. 1.179, que dispunha sobre o Regime Jurídico e Transitório das relações jurídicas privadas enquanto perdurar a pandemia. Dentre suas proposições, previu-se a ampliação de poderes conferidos aos síndicos para que impusessem restrições e proibições aos condôminos, exceto aos casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.

Contudo, a projeto foi aprovado com vetos pelo Presidente da República, inclusive no que diz respeito à mencionada proposição legislativa. Entendeu o Presidente que, caso aprovado o texto da forma proposta, se estaria retirando a autonomia e a necessidade de deliberações por assembleia ao conceder poderes excepcionais para os síndicos suspender o uso de áreas comuns e particulares.

De fato, a vontade coletiva dos condôminos é soberana, devendo ser manifestada especialmente em assembleia geral extraordinária. Vale mencionar, inclusive, que as assembleias condominiais poderão ser realizadas por meios virtuais, em caráter emergencial, por força da Lei n. 14.010, de 10 de junho de 2020.

A questão central é avaliar até que ponto são toleráveis o barulho, a poeira e o aumento no fluxo de pessoas nas dependências do condomínio, inerentes à realização de uma obra.

No início do mês de abril, foi amplamente divulgado pelos veículos de imprensa da capital a medida liminar concedida pelo Juiz de Direito Renato Castro Teixeira Martins, da 19ª Vara Cível de Brasília, a um condomínio residencial no Setor Sudoeste para que um morador se abstivesse de iniciar as obras de reforma em seu apartamento, enquanto durarem as medidas de restrição à circulação de pessoas. O caso, no entanto, tratava de obras aparentemente não urgentes, ou seja, que poderiam ser reagendadas sem maiores prejuízos ao morador

Em se tratando de obras essenciais, a situação pode não ser simples assim. Mesmo sendo indispensáveis, este tipo de serviço demanda a presença de operários nas dependências do condomínio, indo de encontro com as recomendações sanitárias para que se evite a aglomeração de pessoas. Por outro lado, o acesso de babás e empregados domésticos, por exemplo, não foi proibido pelo Poder Público. Quando, então, uma necessidade individual poderá sobrepor ao interesse coletivo?

Diante da falta de resposta específica do Legislativo e do Executivo, incumbe aos próprios moradores buscarem soluções consensuais ou, não sendo possível, ao Poder Judiciário preencher esta lacuna. Ao que parece, a melhor saída pode ser encontrada no direito fundamental à propriedade privada e sua função social, devendo ser assegurado ao condômino a faculdade de realizar obras essenciais e urgentes em sua unidade, garantindo que viva em condições dignas de moradia.

Afinal, desde que atendidas as orientações sanitárias e respeitadas as normas internas do condomínio, não há, até o momento, nenhuma determinação que impeça moradores do Distrito Federal de exercerem o direito de realizar obras, caso sejam necessárias e urgentes.

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