José Escarlate
Um dia o noticiário da TV Brasília, Canal 6, do grupo dos Diários Associados, divulgou uma informação salientando que a invasão da Universidade de Brasília havia sido planejada pelos órgãos de segurança.
Na entrada da emissora, que ficava no Setor de Rádio e Televisão Sul, ao lado do Colégio Dom Bosco, um senhor alto, cabelos grisalhos e vestindo um bem talhado terno cinza escuro, acompanhado de uma pessoa, pediu para falar com o editor-chefe. Foi encaminhado pelo porteiro à redação, no segundo andar. Preparando a edição do dia, batucavam a velha Remington dois redatores do tele-jornal, um deles, o meu amigo José William Garcia Annoni, que era o chefe de reportagem.
William o atendeu, pediu que aguardasse um pouco, e saiu da sala para chamar o Gueguê, João Orlando Barbosa Gonçalves, um dos melhores jornalistas da época, responsável pelo telejornal da emissora. Gueguê, embora português de nascimento, era naturalizado e vivia em Brasília.
Gueguê convidou o homem a sentar-se e indagou: “Em que eu posso ajudá-lo?” – disse, sem reconhecer o homem.
“Vim falar-lhe a propósito do noticiário divulgado por esta emissora, no jornal da noite de ontem. O fato noticiado não corresponde à verdade.” E o homem foi mais adiante: “Aquilo foi um fato isolado e o governo jamais pensou em planejar as ações que culminaram com a violência. A notícia merece ser checada”, acrescentou.
Nessa altura, o Gueguê, já um pouco irritado, levantou-se e disse, de maneira pausada, sem se tornar agressivo. “Antes de explanar minha posição e da nossa emissora, eu desejava lhe fazer uma pergunta, para podermos continuar a conversa. Quem é afinal o senhor?”
O homem, de fala macia, sotaque gaúcho e extremamente calmo, puxou do bolso um cartão e, entregando-o ao Gueguê, respondeu: “Eu sou o general Emílio Garrastazu Médici, Ministro-Chefe do SNI”.
Gueguê, que já era branco, empalideceu mais ainda.
William Annoni, que acompanhou da porta o diálogo, procurou um buraco para se enfiar, enquanto que o outro homem que acompanhava o senhor era um major do Exército, ajudante-de-ordens de Médici. O tal major, segundo o William, não escondia um sorriso de gozação.
Mas tudo terminou bem, após as desculpas de praxe. O noticiário da tevê foi corrigido na edição daquela noite e o Gueguê, depois de descer à cantina e tomar mais uma talagada de vodka. Ficou em paz. Com Deus e com o SNI.