Lourdes Maria bem que poderia levar a vida na maciota. Aposentada que era, casa própria e filhos criados, não teria dificuldade de passar uma boa temporada no litoral, mas gostava de dizer aos quatro ventos que não trocava Sobradinho-DF nem pelas praias mornas do Nordeste. Por isso, nem vale a pena entrar no mérito, já que gosto é gosto, bem como é loucura bater de frente com a insanidade de certas pessoas.
Cada um com suas afronesias, como gostava de dizer a Martinha, amiga de longa data da Lourdes Maria. Aliás, pois foi justamente ela que presenciou um momento de desatenção da tresloucada, que foi até o posto da equina abastecer o Corcel, que não era do Raul Seixas, apesar de também ter sido fabricado no longínquo ano de 1973.
Pois lá estava a Lourdes Maria ao volante, enquanto o frentista abastecia o carango. A mulher pensava nas mil coisas que precisava fazer ainda naquela manhã, quando o homem lhe devolveu as chaves do veículo. Distraída como ela só, a mulher deu partida e, em seguida, saiu sem pagar.
O frentista, atônito, ficou ali parado por um tempo, até que viu o automóvel pegar a pista e, logo adiante, parar em frente ao supermercado, justamente onde a caloteira entrou no momento seguinte. O homem não teve dúvida e foi até lá, onde teve um bate-boca daqueles com Lourdes Maria, que tentou a todo custo se desculpar pela distração.
— Senhor, a minha vida é uma correria só!
— E eu com isso? O que não pode é abastecer e sair sem pagar.
— Pois quanto lhe devo?
— Duzentos e cinquenta e quatro reais e oitenta e dois centavos.
— Pois pode cobrar duzentos e cinquenta.
O sujeito passou o cartão da Lourdes Maria na maquininha. Imprimiu a via da cliente e aentregou. Depois saiu sem se despedir.
Bem, tudo parecia resolvido. Entretanto, se dizem que o mundo é pequeno, Sobradinho é um ovo. Tanto é que, quase dois meses após aquele imbróglio, Lourdes Maria estava em uma festa de aniversário na casa da Salete, amiga de longa data. Pois, entre os convidados, lá se encontrava o tal frentista, que se chamava Roberval.
Lourdes Maria, assim que bateu o olho no gajo, torceu a boca, como se ainda ressentida pela falta de educação do homem. Mas nada que a sapiência de uma outra convidada, justamente a Martinha, para colocar panos quentes na situação. Não se sabe como, mas ela percebeu que aqueles dois poderiam formar um belo casal.
— Tá maluca, Martinha?
— Lourdes Maria, conheço o Roberval há tempos. Ele é um cara muito divertido.
— Divertido? Pois ele é um troglodita!
— Que nada, mulher! Sem falar que ele é um tipão.
— Tipão? Ah, me poupe!
Apesar das reticências, lá pelo meio da festa, Lourdes Maria acabou se sentando à mesa do Roberval. Não se sabe se foi o efeito do álcool ou, então, pela agradável aparência do sujeito, a mulher começou a olhá-lo de outro jeito. Tanto é que trocaram telefones e, no dia seguinte, foram pegar um cinema. Desde então, a aposentada e o frentista sempre são vistos andando de mãos dadas pelas ruas de Sobradinho.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
Compre aqui
http://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho