Historicamente o ano político do Brasil começa somente no segundo dia útil após o desfile das escolas de samba campeãs do Rio de Janeiro. Para nossos parlamentares sambistas, hoje é o dia de voltar oficialmente ao trabalho. Para outros, com nada por fazer, o melhor seria ficar calado. No entanto, como sempre foi acostumado a bostejar baboseiras, mesmo longe não consegue engolir a língua de trapo. Refiro-me ao presidente defenestrado pelo povo brasileiro, que continua tentando permanecer na mídia nacional. “Hospedado” na costa leste dos Estados Unidos, de onde assiste as inevitáveis rupturas no seio desnudado do bolsonarismo, o Jair do deboche se mantém irrelevantemente como aquele que foi sem nunca ter sido.
Tragédia política anunciada, ele está passeando pela Flórida, mas não deixa de receber uma vultosa soma mensalmente. Pai Jair está sem trabalhar há quase dois meses. Nada demais, para quem, por quatro anos, fingiu que presidia um país com 213,3 milhões de habitantes, abarrotado de mazelas e arribado de tragédias. Terrível, a última delas – a de São Sebastião, em São Paulo – pelo menos mostrou que o Brasil de Luiz Inácio está voltando a se humanizar. Para sorte da nação, ainda bem que Jair fingiu ser presidente e o povo, também conhecido por eleitor, fingiu que acreditou. Fingiu, embora nunca tenha esquecido do passado destruidor do Jair.
Por isso, o sonho fracassado do golpe assustou a sociedade, incomodou os poderes, enlameou nossa imagem externa, gerou prejuízos físicos, sociais e morais incalculáveis, mas não foi nenhuma surpresa para a multidão que jamais acreditou nas histórias do mito. Imaginada na recepção dos balcões psiquiátricos do bolsonarismo, a reprise do golpe de 1964 começou a ser pensada em janeiro de 2019. As comemorações dos setes de setembros subsequentes foram a tônica do que estava por acontecer. Estava. Antes de virar fato, o povo acordou com o ressurgimento de Lula e, passados quatro anos e dois meses, ficou fácil perceber que a agenda do ódio perdeu espaço e foi definitivamente derrubada a partir da descoberta de que a assepsia política e moral precisa ser completa.
E será. Aproveitando a sensação de lutar pela paz, pela unidade e, sobretudo, pelo fim das tragédias diárias, o brasileiro comum tem se esforçado para passar o aspirador na poeira deixada pelos pés pretos do Capetão. Dos Estados Unidos, onde certamente não está catando coquinhos em Palm Beach ou conchinhas em Miami Beach, o Jair dos terroristas fanáticos talvez esteja fazendo um intensivão com a Ku Klus Klan (KKK) para reabrir o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização paramilitar anticomunista dos anos 60. Quem sabe não está estudando com a tropa de Donald Trump novas fórmulas de golpismo.
Seja lá o que for, com certeza absoluta ele, de Miami, tem buscado contornos diferentes para continuar líder dos maluquetes, os únicos que ainda acreditam na marmota de retorno com algum peso político. Vale lembrar que a conta do desgoverno e das aberrações cometidas por Pai Jair começou a chegar. Por exemplo, o Brasil e o mundo já sabem que, durante a gestão de sua insolência e obviamente por sua determinação ou com sua anuência, a Força Aérea Brasileira (FAB) se negou a fechar o espaço aéreo nas terras yanomamis e a aumentar a fiscalização sobre a região.
O resultado foi o que se viu: o garimpo ilegal assumiu o controle da área, ameaçando o meio ambiente e a saúde das comunidades tradicionais. Para o grupo que detinha o poder, a inanição e a morte de quase 200 yanomamis por algum tipo de desnutrição foram apenas detalhes. Da mesma forma que foi o passamento de 700 mil brasileiros vítimas de uma gripezinha sem graça e inventada pelos chineses sem noção. Como tudo que é inventado se perde na poeira, não custa lembrar que uns nascem para cantar, outros para dançar e outros simplesmente nascem para serem outros. É o caso daquele que já foi tarde. Não custa enviar-lhe uma mensagem que, acredito, seja da maioria dos brasileiros: Pai Jair, se sua estrela não brilha mais, acenda uma vela. Sugiro que seja de sete dias e vermelha.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978