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O primeiro leitor

Agnaldo, tipo cantor de cabaré, olha as letrinhas até que se vende a petisco

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Agnaldo, tipo bonitão, cara de todos amigos, é o primeiro a ter contato com os meus escritos, cujas palavras faço questão de colocar em cadernos, apesar da insistência de minha mulher querer que eu passe a usar um computador.

— Luiz, daqui a pouco, teremos que alugar uma sala para colocar tantos cadernos.

Exagero da minha amada, já que não são mais do que duas caixas grandes, que ficam guardadas na garagem da nossa casa. Além de não ocupar tanto espaço, é um passatempo para este velho. Além do mais, nosso carro é um Fusca, que mal sai do aconchego de uma quase aposentadoria. Nem sei por que ainda não o vendemos. Talvez por apego, talvez por preguiça, talvez até por coisa que ainda não quis pensar.

Não descarto a razão da minha esposa, ainda mais porque sou do tipo acostumado a obedecer. Fui criado por mulheres, apesar da presença de papai, figura quase apagada em relação aos ditames da casa. Gerente de banco que era, nunca deu pitaco assim que colocava os pés dentro do nosso lar.

Segui os passos de meu pai e, logo após completar 18 anos, ingressei no Banco do Brasil, onde fiz carreira até me aposentar. Durante todos aqueles anos, busquei na literatura refúgio, que certamente foi um dos pilares da minha sanidade mental. Li os clássicos e, não raro, comprava livros de colegas que se aventuravam na escrita. Confesso que não sou o melhor crítico sobre o assunto, mas consegui enxergar talentos incomuns em dois ou três, que me fizeram invejá-los e, não tardou, tive ímpeto de me tornar também aventureiro.

Comecei com pequenos rabiscos, nenhum que valha o esforço de ser lido. No entanto, como pai zeloso que sempre procurei ser, os guardo como lembrança dos primeiros passos dos meus filhos, hoje todos criados e vivendo suas vidas. Nunca mais os li, apesar da promessa de fazê-lo assim que a coragem para tal me fizer uma visita, seja até mesmo para um café em hora inapropriada. É que praticamente todos esses momentos se foram depois que troquei o paletó por qualquer camisa folgada, calça de moletom e sandálias.

Falei tanto, que acabei me esquecendo do Agnaldo, que chegou pelas mãos do meu filho. Este, como todos os homens da família, telefonaram antes para saber se poderia ou não trazer o dito cujo. Por acaso, eu quem atendi e, então, passei o telefone para a minha esposa.

Como já havia dito, o Agnaldo é bonitão, cara de todos amigos, não tem raça definida e, que nem muitos outros vira-latas, possui aquele jeitão de sambista carioca.

— Sambista carioca? De onde tirou isso, Luiz?

É a Laura, minha esposa, que deu aquela esticada de olho nas minhas anotações. Assim que ela deu as costas, voltei a escrever. Peraí! Talvez minha mulher tenha razão. Dei aquela encarada no meu amigo, que, surpreendido, fez pose de altivo. Hum! Cauby! É isso, o Agnaldo tem a presença do Cauby Peixoto.

— Cauby? Luiz, o Agnaldo tá mais pra cantor de cabaré.

Laura, mais uma vez, tem razão, e o Agnaldo parece concordar, pois não para de abanar o rabo para ela. Se bem que minha amada acabou de lhe dar um petisco. Que cachorro vendido! Estou pensando em utilizar a mesma técnica quando eu for ler meus textos para o meu amigo. Quem sabe, assim, eu me anime para desencaixotá-los e mandá-los para o Café Literário do Notibras… Será que serão aceitos?

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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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