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Agro é pop, Gilmar é irônico, mas a terra é de indígenas

Ao ouvir a fala do ministro Gilmar Mendes, antes do esperado voto de Cristiano Zanin, imaginei o produtivo debate que se instalaria na corte se Joenia Wapichana, que se candidatou ao cargo publicamente, fosse escolhida para substituir a ministra Rosa Weber, que se aposenta agora em setembro.

A começar pelo linguajar do ministro, que utilizou termos publicamente rejeitados pelos indígenas, como “índio” e “tribo” – o que não combina com a suposta imparcialidade da Corte. E que se agrava com a superficialidade com que contou causos, quase anedotas, para destilar seus preconceitos: o do cacique Babau, liderança tupinambá na Bahia, para ele “um homem negro em uma moto que tocava o terror”; depois contando uma visita à Raposa Serra do Sol, em tom de façanha na Amazônia, quando teria constatado uma pobreza que faria os indígenas saírem dali para “catar lixo em Boa Vista”.

Como se o problema estivesse na luta para manter o território e não pela insegurança em que vivem pela cobiça de suas terras.

As falas de Gilmar – que também é fazendeiro em Mato Grosso do Sul – tem consequências como mostra, na prática, a própria tese do marco temporal. Embora desde 2013, o STF tenha reconhecido que a exigência de comprovar a permanência na terra antes da promulgação da Constituição de 1988, uma salvaguarda restrita ao processo de demarcação de Raposa do Sol, em 2008, o ministro já tomou decisões na Corte nela baseado em pelo menos dois mandados de segurança, alegando que “o precedente de Raposa Serra do Sol não se dirige apenas ao caso de Raposa Serra do Sol”. Agora se agarra à oportunidade de consagrar sua tese inconstitucional.

Imagino que Joenia, que se tornou a primeira advogada indígena a fazer uma sustentação oral no STF, exatamente no processo de Raposa Serra do Sol, em que atuava pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), teria muito a ensinar ao ministro, à Corte e a todos que assistiam à votação, até o momento em que escrevo com 4 (contra) a 2, com os votos de Zanin e do ministro Luís Roberto Barroso.

Mesmo que o marco temporal seja barrado, como se espera, a ausência de uma indígena na Corte permite que o racismo prospere, assim como a incompreensão com o modo de vida e cultura indígena, intrinsecamente ligados ao direito pela terra como foi reconhecido pela Constituição.

“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, diz a Carta Magna.

Não tenho ilusões de que Lula, que reluta em reconhecer a relevância de indicar uma mulher para o STF, nomearia justamente uma advogada que também é uma liderança independente, comprometida apenas com os povos indígenas. Mas a improvável candidatura de Joenia tem o mérito de apontar o óbvio: representatividade é um critério que não comove os homens brancos no poder, mesmo quando se consideram progressistas, mas é imprescindível à democracia.

Não é à toa que a ministra Rosa Weber decidiu pautar as principais votações pendentes no STF antes de sua aposentadoria. Com sua saída, o STF se torna ainda menos representativo do país, deixando apenas a ministra Cármen Lúcia entre os homens togados. Um retrocesso inadmissível em um país dominado por um patriarcado insensível e arrogante como a fala do ministro Gilmar.

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