Não sei se você é do tipo que associa pessoas a coisas, pessoas a pessoas, coisas a coisas. Pois bem, eu sou assim. Aliás, nem me pergunte por que, pois não saberia responder ou, talvez, não queira gastar meu tempo com isso, ainda mais hoje, que quero falar sobre a Alaíde Costa, cuja voz inebriante tem tornado meu café gourmet ainda mais saboroso durante essas manhãs outonais.
Enquanto coloco a água na chaleira, sinto os primeiros raios do Sol, ao mesmo tempo em que a Alaíde me sopra “Aurorear”. Meu corpo rijo tenta um gingar que não tenho, mas não estou nem aí. Imagino a Alaíde rindo aquele sorriso lindo e se divertindo com a minha falta de jeito. Ela me entende, certa de que sabe o que meus calos dizem sobre mim.
Se eu acordo tristonho por conta de pontapés da vida, eis que essa voz graciosa me ensina que o céu tem pecado, o inferno é divertido. A Alaíde, do alto da sua sapiência, me diz para eu ser quem sou. Pois é, não posso desprezar tamanho conselho, ainda mais porque as primeiras bolhas anunciam que é hora de tirar a chaleira do fogo.
Despejo o líquido da vida sobre o pó que preenche o coador de pano. O cheiro toma conta da cozinha, enquanto imagino a minha cantora piscando ao lado. Parece que ela também quer provar a iguaria.
Não tenho dúvida e, então, coloco o café em duas xícaras, enquanto a música se espalha por todo o apartamento. Eu me sento à mesa, certo de que a Alaíde está ali na minha frente, também sentada. Toda graciosa, ela toca a asa da xícara e, em seguida, sorve um tiquinho. Eu repito o seu gesto, mas algo me desperta desse sonho. Minha esposa, a Dona Irene, está nas minhas costas. “Hum, adoro quando você prepara esse café delicioso pra mim!”