Entre os sete pecados capitais, a gula é o único que dá margem a várias interpretações. Duas delas se referem ao apetite e ao sexo. Muitas pessoas usam a alimentação como um escape de situações desconfortáveis e adversas. Outras se utilizam do sexo em larga escala para se mostrar útil na relação ou, quase sempre, para por à prova a infantilidade da masculinidade. Há os que não gostam de comer, tampouco de cozer. São os que mais se arriscam em busca do poder a qualquer preço. Como o comando é um vício que nunca acaba e normalmente pede mais do que a barriga aguenta, é grande o risco de a autoridade sentir um vazio no espinhaço, de ficar sem o prazer do tempero caseiro e, principalmente, de surgir espinhas pontiagudas nos dois cantos da testa.
Especificamente na política brasileira e mundial, não existe amor mais sincero do que aquele pela supremacia. É por causa dela que surgem os conflitos, as tentativas de golpes e os acordos que comumente respingam no bolso, na bolsa e na alma de quem paga imposto. Sinônimo de poderio e de disputa, o poder é sempre perigoso, pois atrai o pior e corrompe o melhor. Em tempos de guerras, do Pan-Americano e do pré-olímpico de várias modalidades esportivas, o Brasil, particularmente o Congresso Nacional, começa a se preparar para uma batalha antecipada e que já movimenta belicosamente os bastidores e as bases dos times políticos, inclusive os da boquinha.
A não a ser a certeza de que a política se ocupa apenas do que é oportuno, nada de novo no front. Na verdade, tudo como dantes. As moscas podem ser diferentes, mas a caca é a mesma. Como no jogo da política não se escolhe a companhia, os raivosos de ontem, hoje são amigos de infância, enquanto os aliados de hoje serão os inimigos de amanhã. Tudo isso baseado na máxima de que guerra e o esporte nada mais são do que a continuação da política por outros meios. É o marco zero entre o realismo e a utopia. Mesmo faltando mais de um ano para o ápice do espetáculo (a eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado), as cortinas do palco principal já estão desfraldadas. Embora os protagonistas saibam que o segredo e a magia do enredo consistem em mentir a propósito, a melhor maneira de manter a palavra é nunca dá-la.
Esta é a ordem vigente, principalmente porque a luta pelo poder é um mercado persa e pode até terminar em um armazém do tipo secos e molhados. No entanto, antes das boas negociações por medalhas, é preciso não esquecer que a venda da alma não impede o enrugamento da pele. O fato é que a corrida para sucessão do deputado Arthur Lira (PP-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está marcada para fevereiro de 2025. Até lá, a ponte pode ruir, o gato latir e o cachorro miar. O que certamente não ocorrerá é cair o acordo acertado há quatro anos entre as figuras que topam tudo para não abandonar o tablado. A posse de Luiz Inácio, em janeiro deste ano, azeitou as conversas e tirou do armário as coreografias para início do ensaio no Senado Federal, onde Rodrigo Pacheco cumpre o segundo mandato.
Ele e o colega Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) começaram semana passada a fase final de experimento dos figurinos. Os artistas coadjuvantes já foram informados de que não há hipótese de se alterar o texto da peça. Ou seja, Alcolumbre é candidato desde o apoio para a candidatura vitoriosa de Pacheco, em 2021, quando ele (Alcolumbre) foi impedido de concorrer à reeleição. É o jogo de cartas marcadas, o chamado revezamento 2×100 (o famoso dois pra lá e dois pra cá). Se alguém preferir, podemos apelidar a contenda de é devolvendo que se recebe mais adiante. Atualmente, a força é da indivisível dupla Pacheco e Alcolumbre, mas já foi do MDB, representado, entre outros, por Ramez Tebet (MS), Renan Calheiros (AL), Garibaldi Alves (RN) e Eunício Oliveira (CE).
Nesta terça, 31 de outubro, se comemora o Halloween e o Dia do Saci-Pererê, o folclórico guri de uma perna só. Também poderia ser o dia em que a fissura pelo comando geral do Senado e do Congresso deixa de ser ficção e se transforma em uma briga de foice. É matar ou morrer. Presidente da CCJ da Casa Revisora e viúva assumida de Jair Bolsonaro, Alcolumbre está com o bloco na rua. Pacheco é o coreógrafo da comissão de frente. O problema é que a avenida do desfile se prepara para receber outros concorrentes, com destaque para o MDB de Renan, mestre-sala da velha guarda do partido. Como a maioria dos que buscam o poder mostram quem realmente são quando o alcançam, Alcolumbre já adiantou que seu samba desafinará logo após o rufar dos tambores. Aos bolsonaristas, afirmou que Luiz Inácio sofrerá mais com ele do que sofre com Arthur Lira (PP-AL). Portanto, talvez fosse a hora de convocar novos compositores, sob pena de o Brasil e os brasileiros continuarem na toada de uma triste e chata marcha fúnebre.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978