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Alfabetização midiática ensina crianças a usar a internet

A internet é um ambiente relativamente novo que apresenta inúmeras possibilidades de uso. Uma de suas principais características é a facilidade para acessar informações, seja por meio de sites, pesquisas no Google, páginas da Wikipedia, vídeos no Youtube e até posts nas redes sociais.

Em meio a tantas possibilidades e uma quantidade cada vez maior de informações, é natural que existam dificuldades para lidar com tudo isso, o que abre margem para erros, mas também enganações, golpes e mentiras.

É buscando fornecer ferramentas para lidar com essas questões, a partir de um uso crítico da internet, que a alfabetização midiática vem ganhando força no Brasil.

O que é a alfabetização midiática?
Segundo a professora Daniela Osvald Ramos, da Universidade de São Paulo (USP), o termo existe desde os anos 1960 e 1970, surgindo inicialmente como uma proposta de leitura crítica do conteúdo recebido do Hemisfério Norte. “A ideia é entender os meios de produção midiática, como se dá a produção e edição de informação. Sabendo que o que está lá [nas mídias] é uma representação de um aspecto de uma realidade, não é a realidade toda”, afirma.

De início, a alfabetização midiática se dedicou ao rádio, televisão e jornais, mas teve um aprofundamento com a chegada da internet. Daniela Osvald explica: “Isso ocorreu pois a internet tem todo um sistema técnico oculto, mais complexo de entender do que a transmissão por meios convencionais”. O ambiente digital parece dar uma liberdade de consumo maior, mas isso acaba sendo uma armadilha.

A navegação no ambiente digital é influenciada, principalmente, por algoritmos, muitas vezes desconhecidos pelos usuários. A professora explica que o algoritmo “direciona, limita, cria bolhas e tira a diversidade de informações”, mas tudo isso é muitas vezes mascarado pela internet.

Nesse sentido, a alfabetização midiática trabalha com uma educação para os dados e algoritmos, indo além da mídia em si. A ideia é “saber identificar quando se está recebendo só um dos fatos”. A partir disso, espera-se que as pessoas aprendam sobre fontes, leitura crítica e vejam as problemáticas, identificando o que é falso. E também saber que tudo vira dado e serve para o mercado e o consumo.

Os perigos da internet
Com o cenário descrito por Daniela Osvald Ramos, o ambiente digital acaba apresentando diversos riscos para usuários desavisados. Um ponto especial é a disseminação de informações falsas, as chamadas fake news, a partir das redes sociais e sites. As fake news têm grande potencial para enganar o leitor e isso gera efeitos sociais e políticos.

Para além disso, a professora destaca que esse ambiente de desinformação “facilita golpes, crimes e fraudes”. “É muito conteúdo, rapidamente circulando, e isso causa uma perda de noção da realidade. Muitas vezes as coisas se misturam, em especial o público e o privado”, explica.

Um aspecto que a professora destaca que é intensificado no ambiente digital é a influência de fatores emocionais na hora de discernir o que é ou não verdadeiro. A político do “o que não reproduz o que eu penso e gosto não existe” é um dos principais perigos destacados por Osvald ao gerar uma incapacidade de enxergar o outro. “O diálogo acaba, não há mais troca”, acrescenta.

Hoje, a alfabetização midiática já é reconhecida pela Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas voltada para a educação, como um direito básico dos cidadãos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, uma lei de 2004 instituiu a educomunicação, área que abrange a alfabetização midiática e usa a prática de comunicação com fim educativo, como política pública de educação. Hoje o município realiza projetos como o Imprensa Jovem e o Educom Rádio.

Um dos projetos que busca colocar em prática a alfabetização midiática, com foco em crianças, foi idealizado pela professora Mônica Rodrigues Nunes, também da Universidade de São Paulo. Intitulado ‘Alfabetização midiática e produção audiovisual na escola pública: ensinar crianças e jovens a interpretar e a produzir informação’, a ideia é capacitar professores da rede pública para ensinar jovens a produzir conteúdo com características jornalísticas.

A professora esclarece: “Se nós sabemos como algo é feito, a chance de sermos mais críticos em relação àquilo é maior”. Ou seja, conhecer o processo de produção de um veículo informativo permite que as crianças saibam identificar, na internet, o que é informação, o que é entretenimento e o que é publicidade.

Mônica Rodrigues Nunes destaca que o consumo de imagem (parada ou em movimento) cresceu de forma exponencial. “Em especial em plataformas digitais. Isso se deve à baixa oferta de programas para crianças na TV. Ocorreu uma migração e a oferta de conteúdo pode envolver informação, entretenimento e publicidade”, diz.

Se antes, na produção televisiva, a publicidade ficava marcada, hoje, na internet, ela ainda está presente, mas não é declarada. “O YouTube mescla mais as categorias e isso gera problema. Hoje alguns youtubers explicitam isso [a presença de publicidade], mas é importante até que as crianças entendam o que a publicidade também”, explica.

Para a professora, outro problema é que, além do consumo indiscriminado e sem diferenciar as categorias de vídeos, as crianças ouvem dos adultos um descrédito dos meios de comunicação tradicionais.

“A alfabetização midiática também é importante neste sentido. Com ela, as pessoas podem ter clareza de que os veículos possuem uma linha e o produto final é resultado dessa linha. Conseguem perceber que, para chegar a essa linha, os veículos têm enfoques, angulagens. A partir desse momento, as pessoas entendem melhor os meios e tendem a não julgá-los ou descredenciá-los”, analisa. O objetivo é entender as regulações por trás dos veículos, com códigos de ética, conselhos e perfis editoriais.

A professora comenta que o interesse na área surgiu devido a uma preocupação dela como mãe e como o filho estava consumindo conteúdo audiovisual. A ideia, então, foi levar à formação de conhecimento dos meios midiáticos. Nunes nota que o audiovisual é a área de maior interesse dos jovens, tanto para consumo quanto produção.

No primeiro ano do curso estão sendo capacitados 16 professores de escolas públicas com aulas ministradas por professores dos cursos de jornalismo, educomunicação e pedagogia da USP.

Já em 2020 haverá o acompanhamento de seis professores da Escola de Aplicação da USP, que oferece vagas para filhos dos funcionários da universidade e para a comunidade externa da região. Os professores darão aulas sobre alfabetização midiática e criarão uma Web TV, onde os alunos publicarão projetos de produção de conteúdo jornalístico.

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