É preciso estar atento para o que acontece nas sinagogas e em seus arredores. Entre as frases criminosas de Bolsonaro durante a campanha de 2018, há talvez uma que possa ser considerada a pior de todas, sobretudo pelo local onde foi dita. “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve”, disse Jair, na Hebraica do Rio de Janeiro. Foi ovacionado por centenas de pessoas.
A cena chocou parte da comunidade judaica, mas o estrago estava feito. A partir de então, o senso comum jogou todos os judeus brasileiros como apoiadores de Bolsonaro, o que é falso. Uma charge rodou o país. Nela, apenas dois fantasmas protestam, como se os judeus vivos, todos, fossem a favor da declaração delinquente.
Mas algo está mudando. Nesta semana, Israel anunciou a troca de seu embaixador no Brasil. Yossi Shelley não era diplomata de carreira, mas empresário e ex-dirigente do partido Likud, do premier Benjamin Netanyahu. Foi Shelley que garantiu a presença de Netanyahu na desprestigiada posse de Bolsonaro. O embaixador e o presidente se tornaram amigos porque, aparentemente, comungam dos mesmos valores. O novo representante de Israel no Brasil tem perfil oposto, é diplomata de carreira e progressista – ao menos perto de Shelley. Um sinal de distanciamento estratégico de Netanyahu. Com eleições gerais marcadas para março, não há vantagem em estar associado ao pior presidente do mundo na gestão da pandemia.
Há mais coisas por aí. A saída de Fabio Wajngarten do comando da Secretaria de Comunicação da Presidência é uma quebra de ponte ente Bolsonaro e a comunidade judaica. Wajngarten foi um dos principais cabos eleitorais do então candidato entre judeus paulistas.
O outro se chama Meyer Nigri, um dos maiores empreiteiros do país. Nigri acaba de deixar a UTI, onde esteve internado por longos cinco meses para tratar covid19. Ele segue no hospital. Pessoas familiarizadas com a situação dizem que a fé de Nigri no capitão cloroquina já não é mais a mesma e que 2022 é um jogo em aberto.
A proximidade de Bolsonaro com importantes grupos judaicos foi crucial em 2018. O candidato a usava em duas situações: para se livrar das acusações de discurso nazista e para conquistar o voto dos evangélicos. Lembram da promessa de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém? Era parte do plano eleitoral de malafaias e felicianos. Evangélicos dispensacionalistas acreditam que a segunda vinda de Cristo de dará, fisicamente, em Israel. Espero que a segunda vinda de Bolsonaro se dê, fisicamente, longe do Palácio do Planalto. Quiçá na cadeia.