Novas regras de rastreabilidade de frutas, hortaliças e ervas aromáticas começaram a ser implementadas. Até fevereiro de 2020, todos os vegetais frescos destinados ao consumo humano deverão estar aptos a serem rastreados ao longo de toda a cadeia produtiva – ou seja, da produção à venda ao consumidor final, passando pela distribuição e estocagem.
O principal objetivo da instrução normativa publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em fevereiro deste ano é permitir o monitoramento e o controle de resíduos de agrotóxicos nos vegetais.
De acordo com o ministério, as irregularidades com agrotóxicos e contaminantes em produtos vegetais mais comumente identificadas são a presença de resíduos além do limite permitido; o uso de produtos proibidos no país e a utilização de defensivos permitidos para uma determinada cultura em outra.
As novas normas obrigam que todos os entes envolvidos na cadeia de produção e venda de frutas e hortaliças disponham das informações necessárias para a identificação dos produtores ou responsáveis pelos produtos. “Isso permitirá que os órgãos de fiscalização identifiquem problemas relacionados ao uso de defensivos agrícolas, à contaminação dos vegetais por agrotóxicos”, disse a coordenadora de Qualidade de Produtos Vegetais do Mapa, Fátima Parizzi.
Segundo Fátima, o registro das informações facilitará ao poder público identificar a origem e todo o percurso percorrido, do campo à gôndola, por um produto vegetal que contrarie às regras sanitárias. “Nossa preocupação é que as informações necessárias para identificarmos a origem destes produtos sejam preservadas. Assim, constatado qualquer problema, poderemos corrigir a causa da não-conformidade a partir do ponto onde ela ocorreu”, acrescentou a coordenadora.
A instrução normativa, no entanto, não obriga os estabelecimentos comercias a disponibilizarem aos consumidores finais os dados sobre a procedência e trajetória dos vegetais. “Embora alguns produtos já disponham de etiquetas individuais, é muito difícil garantir o acesso de todas as pessoas a este tipo de informação quando se trata, por exemplo, de produtos vendidos a granel. Não só a instrução normativa, mas a legislação não obriga a isso”, comentou Fátima.
O texto da instrução prevê apenas que “o detentor do produto comercializado a granel, no varejo, deve apresentar à autoridade competente informação relativa ao nome do produtor ou da unidade de consolidação e o nome do país de origem” do vegetal produzido para consumo humano.
Fátima acredita que, além facilitar a fiscalização pelos órgãos de vigilância, a medida terá outros impactos positivos. “Acreditamos que vai haver um disciplinamento da venda destes produtos, o que vai beneficiar aos consumidores e aqueles que trabalham corretamente ao longo de toda a cadeia. Muitos produtores sérios têm essa preocupação, pois veem que seus produtos, quando misturados a outros de qualidade inferior, acabam perdendo a identidade”, argumentou Fátima.
O primeiro grupo de alimentos cujos responsáveis estão obrigados, a partir de hoje, a disponibilizar informações que permitam a rastreabilidade incluem a maçã, uva, batata, alface, repolha, tomate e pepino. Um segundo grupo de produtos começa a ser fiscalizado em fevereiro de 2019, quando a publicação da instrução normativa completa um ano. As regras passam a valer para o terceiro e último grupo em fevereiro de 2020, conforme previsto no anexo da norma.
Os registros devem conter, no mínimo, o endereço completo, nome, variedade ou cultivar, quantidade, lote, data de produção, fornecedor e identificação (CPF, CNPJ ou inscrição estadual). Cada ente deve manter os registros das informações obrigatórias que permitam a identificação do ente imediatamente anterior e posterior da cadeia produtiva e dos produtos vegetais frescos recebidos e expedidos. Os produtos, ou seus envoltórios, suas caixas, sacarias e demais embalagens devem estar devidamente identificados por meio de etiquetas impressas, código de barras, QR Code ou qualquer outro sistema de identificação.
O descumprimento da Instrução Normativa é passível de punições, mas, em um primeiro momento, o Ministério da Agricultura decidiu priorizar a orientação e a correção de eventuais distorções que forem identificadas. “Até o próximo 31 de dezembro, os fiscais vão fazer um trabalho de fiscalização orientativa. Vamos buscar identificar eventuais gargalos, o que está funcionando adequadamente e o que possa não estar de acordo com a prática”, anunciou a coordenadora, admitindo que o assunto tem motivado dúvidas e preocupação.
“Temos recebido inúmeros questionamentos e feito diversas reuniões com representantes do setor, a quem estamos prestando todos os esclarecimentos possíveis. Se, na prática, for identificada alguma distorção com relação ao impacto econômico, trabalharemos nisso”, disse Fátima, acrescentando que a norma não visa a criar dificuldades, mas sim a uniformizar, nacionalmente, uma prática já implementada com bons resultados em algumas unidades da federação.
Presidente da Associação Brasileira de Produtores de Maçã, Pierre Nicolas Peres afirma que as medidas atendem a uma antiga reivindicação do setor produtivo. “Tudo que serve a melhor organização do setor é bom. Todos ganham com a rastreabilidade, exceção ao produtor ou comerciante que não trabalha com seriedade”, comentou Peres, minimizando os custos de implementação do sistema medida.
“Não haverá grande impacto econômico. Os produtores familiares talvez sintam algum reflexo, mas, no fim das contas, será um investimento pequeno diante dos benefícios. Os grandes produtores já estão preparados. Até porque, você não exporta para a Europa caso não ateste a rastreabilidade da produção”.
O coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf), Alexandre Bergamin, informou à Agência Brasil que, entre os pequenos produtores, a medida causa preocupação. “O sistema de rastreabilidade é muito importante também para atestar a qualidade da produção familiar, mas receamos os efeitos práticos da implementação do sistema. Não só pelos custos, mas pelo que ele pode gerar de burocracia. Hoje, já há, em algumas atividades, como a criação de suínos, impeditivos legais que ameaçam ou até mesmo inviabilizam a produção familiar”.
Bergamin disse que representantes da entidade chegaram a manifestar ao Mapa as preocupações e dúvidas do segmento, durante o processo de discussão da norma, “mas sem aprofundar o debate”. Segundo ele, é positivo o ministério ter decidido criar um prazo para “ajustes”, até dezembro. “Vamos observar o que acontece, a forma como vai se dar a fiscalização e seus impactos.”