O homem carregava na certidão de nascimento um nome recheado de musicalidade. E, apesar de dar o maior valor na escolha da mãe, era mesmo fã de outro cantor, certamente o único que poderia escolher onde se sentar na primeira prateleira. Aliás, se quisesse se deitar e até se esparramar, haveria espaço de sobra, pois tudo ali lhe pertencia, como notório e notável Senhor da Voz.
Altemar, que não era Dutra, mas Silva, agora aos 65 anos, finalmente conseguiu algo que buscou durante toda a longa jornada de trabalhador: a aposentadoria. Pensou até em fazer aquela festança e chamar os companheiros, mas logo desistiu. Não iria gastar um tostão com miudezas, ainda mais porque o dinheiro sempre lhe foi curto.
Sem filhos, Altemar há tempos também fora abandonado pela mulher. Melhor para ela, que juntou os panos com um bem-sucedido empresário do ramo de importação. Não tardou, teve dois filhos, que puderam estudar nas melhores escolas da cidade.
Quanto ao Altemar, nem teve tempo de sentir dor de cotovelo, pois os boletos não pararam de ser depositados debaixo da sua porta. Isso, aliás, não o impedia de, vez ou outra, buscar um cobertor de orelha na esquina. O problema é que, com o passar dos anos, aquilo virou um hábito.
Os amigos, preocupados com os longos sumiços do Altemar, certa feita, juntaram-se em cinco ou seis e lá foram para o apartamento do gajo. Encontraram-no esparramado no sofá. Cara amarrotada, o aposentado abriu a porta com aquele sorriso.
— Altemar, que tal pegarmos um clube amanhã?
— Não posso, Marcos.
— Como não?
— É que hoje tenho compromisso com a Marcinha.
— Que Marcinha?
— É uma senhorita que conheci na boate.
— Boate? Que boate?
— Da luz rubra, Roberto.
— Altemar, que vida é essa?
— Juca, é a vida que sempre sonhei pra mim: um cabaré ao som do Cauby.
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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