Mariana Tokarnia
Aprovada a reforma do ensino médio, o país deverá definir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vai delimitar o conteúdo mínimo que os estudantes tem direito de aprender em todas as escolas. Estes são os primeiros passos para colocar em prática uma reformulação da etapa de ensino que concentra os piores indicadores educacionais. Como integrantes do sistema, estudantes, professores e movimentos sociais querem fazer parte das definições e demandam maior participação.
O processo de mudança é longo e a expectativa é que comece a chegar nas escolas em 2020. Atualmente, a BNCC encontra-se em discussão no Ministério da Educação (MEC). Definida, a BNCC terá que ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Depois, começa uma nova etapa, a definição dos currículos em âmbito estadual – a serem elaborados com base na BNCC e aprovados nos respectivos Conselhos Estaduais de Educação.
As escolas terão que se adequar ao novo modelo, definindo também novos projetos político-pedagógicos, que nortearão, entre outras questões, as ações em cada escola para colocar em prática a nova estrutura.
Para o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, uma reforma do ensino médio deve levar em consideração a comunidade escolar, a valorização dos professores, um ambiente escolar adequado no que diz respeito à infraestrutura.
“Para funcionar, precisa de um bom projeto político-pedagógico. Aproveitar a energia que surgiu nesse processo e fazer com que esse processo faça sentido. A maior parte das escolas define projetos de forma alheia à comunidade escolar. Isso não funciona. Daria mais resultado se revissem o processo de gestão da escola, incluísse professores e alunos na discussão”. A Campanha é uma rede que reúne mais de 200 entidades civis voltadas para educação.
Na avaliação de Cara, o fato de a reforma ter sido feita por meio de medida provisória e de o debate ter sido acelerado pelo tempo de tramitação da matéria, prejudicou a elaboração de um texto que fosse mais exequível. “A reforma foi completamente açodada e isso gerou um texto de difícil aplicabilidade”, diz.
“A suposta boa perspectiva que é a extensão da carga horária para a educação em tempo integral, ideia que em tese pode ser positiva, está em risco porque os governos não têm recursos para aumentar a carga horária e o novo regime fiscal [definido pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto, sancionada como Emenda Constitucional 95] não permite que o apoio do governo federal seja consistente”, acrescenta.
Os estudantes também querem maior participação. No ano passado, tanto a reforma do ensino médio quanto a PEC do Teto – que restringe os gastos do governo pelos próximos 20 anos – levaram à várias manifestações e ocupações de mais de 1 mil escolas e universidades.
“Os estudantes estão mais politizados e têm mais consciência, compreendem o que é uma escola pública”, diz a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Camila Lanes. Camila, que estudava até o ano passado no Colégio Estadual Costa Viana, em São José dos Pinhais (PR), participou da ocupação da escola. “Ter estudado em escola pública me fez compreender a educação como ferramenta que pode mudar o mundo. Precisamos mudar a ferramenta, não precisamos de escola que reproduz preconceitos, que passa o que estudantes precisam decorar para o Enem”, diz.
Camila, que sempre estudou na rede pública, diz que já viu professores chorarem em sala de aula por falta de pagamento. Ela deseja uma escola mais próxima da realidade, que trate de questões como gravidez precoce, violência, drogas, questões de gênero, suicídio. “Esses assuntos têm que ser debatidos com mais seriedade na escola”. A UBES, em conjunto com outros movimentos educacionais, prepara um documento com uma proposta de reformulação do ensino para entregar ao governo e ao Congresso Nacional.
Para os professores e demais trabalhadores em educação, a demanda é por melhores condições de trabalho e melhor formação. As instituições de ensino também terão que se adequar na formação de professores para o novo modelo de ensino médio. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, destaca a importância da formação e ressalta que atualmente muitos professores não são formados na área que lecionam. Segundo o MEC, quase 40% dos professores de escolas públicas não têm formação adequada.
“O curso de complementação da formação quase nunca é oferecido. A reforma traz a questão prejudicial que é o notório saber”, diz. Pelo texto da reforma do ensino médio, passa a ser permitido que professores sem diploma específico possam dar aulas no ensino técnico e profissional.
A CNTE e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) divulgaram um manifesto contra a MP do Ensino Médio. O documento repudia a iniciativa do governo federal de promover, por meio de medida provisória, uma reforma sem debate ou consulta à sociedade.
No fim do ano passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual afirma que a medida provisória de reforma do ensino médio é inconstitucional.
A secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, defendeu a urgência de uma reforma como justificativa para a edição de uma MP e ressaltou que a questão é discutida há anos. O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse que a MP prevê a flexibilização do ensino médio com o objetivo de torná-lo mais atraente para o jovem.
Nos estados, o presidente do Consed, Fred Amâncio, diz que cada ente definirá como serão as discussões, mas que a tendência é incluir toda a comunidade escolar nas próximas decisões.