Não posso dizer que conheço o Alvino, que, segundo meu grande amigo Marcio Petracco, é mais gaúcho até que a própria bombacha bebendo chimarrão. No entanto, de tantas histórias que o Marcio me contou sobre esse ser único das pradarias do Rio Grande do Sul, posso afirmar, sem pestanejar, que me surpreendo a cada tirada.
Pois bem, lá estávamos o Marcio e eu no cachorródromo do Tesourinha, nosso ponto de encontro quase sagrado. O Elias, que de vez em quando some por uma nevasca ou outra, também estava ali com aquelas pernas mais compridas até que toda a sua altura. Nossos cães, talvez alheios àquilo tudo, corriam de um lado para outro como se fossem cachorros. Vai entender uma coisa dessas.
Mas voltando à história, o Marcio se sentou numa grande pedra, enquanto o Elias e eu o observávamos preparando um cigarrinho de palha, costume de longa data. Aquilo era a deixa, pois sabíamos que ele tinha mais um causo para contar. O Elias, que é muito ansioso, ficou zanzando de um lado para o outro, enquanto fiquei num canto só observando o contador de histórias confeccionando aquele artefato fumegante.
Obviamente que também queria que o Marcio desembuchasse logo, mas fiquei na minha. É que o Marcio, talvez por sua profissão de músico, goste de instigar a plateia. Coisa de artistas, deve ser. Seja como for, a ansiedade do Elias estava num tanto, que eu não via a hora dele pegar no pescoço do Marcio e o erguer a dois metros do chão e esbravejar: “Desembucha logo, tchê!”
O Elias, no entanto, apesar de toda aquela loucura, é de uma gentileza sem tamanho. Sorte do Marcio, que nesse dia estava mais enrolado que papel higiênico. Para evitar qualquer confusão, dei uma cutucada de leve no prevaricador: “Qualé, mermão! Vai ficar a vida inteira aí enrolando esse fumo?”
O Marcio me deu aquela encarada enviesada, se levantou como se fosse ir embora. Mas, sorte nossa, o causo daquele dia era sobre o Alvino, o mais gaúcho dos gaúchos. E, todos sabemos, o Marcio adora falar sobre ele.
Depois do imbróglio, eis que o meu amigo começa a falar sobre o dia em que o Alvino foi passar uma temporada com a filha, que havia se casado com um catarina. Pois é, um catarina! Até eu, que sou forasteiro por estas bandas, sei que existe uma rivalidade entre gaúchos e catarinenses. Seria algo como vascaínos e flamenguistas ou, para quem é de São Paulo, corintianos e palmeirenses. Uma tremenda bobagem!
Mas deixemos essas intrigas de lado. Ou não! O fato é que o Alvino saiu da sua estância enorme e foi passar a invernada no sítio da filha e do genro. Apesar da churrascada caprichada e do chimarrão até razoável, o Alvino andava estressado.
O genro, muito atencioso, foi ter com o Alvino um dedo de prosa. O rapaz queria ficar bem com o sogro e, logo pela manhã, selou dois cavalos crioulos dos bons. Ele convidou o Alvino para uma cavalgada pela propriedade de 10 hectares. Pra quê? A emenda saiu pior que o soneto. Rabugento até a última instância, Alvino desabafou: “Me sinto confinado como se estivesse em Porto Alegre. Aqui não se pode sequer cavalgar por um dia inteiro na mesma direção. Vê se pode?”