Desde os primórdios, o mundo acostumou-se a conviver com figuras – públicas ou não – que, para fugir dos medos, busca diariamente alternativas nada republicanas para tentar conter os oponentes. Depois das mentiras a seguidores incapazes de filtrar o que ouvem, as mais utilizadas são as ameaças sem razão, as denúncias descabidas e sem provas e, o mais prejudicial à sociedade, se lançarem a voos que sabidamente não terão pouso seguro. São aqueles com lampejos de administrador aventureiro, mas, com limitada noção de profissionalismo. Estão sempre armados e entrincheirados como se estivem preocupados noite e dia com a possibilidade de descoberta de sua notória incompetência.
Como é notória, não há necessidade alguma de viver na sombra dos quartéis ou de milicianos dispostos à morte para defender os que se arvoram a pousar de governantes. Nenhuma alusão efetiva ao Brasil de nossos dias, mas tenham certeza de que essas afirmações não são dirigidas exclusivamente ao presidente norte-americano, Donald John Trump, que esta semana deu ensurdecedor exemplo de como não fazer política. Tentou minar o adversário e acabou definitivamente soterrado pela avalanche que vem criando desde novembro, quando, mesmo com a poderosa máquina nas mãos, perdeu por larga margem a eleição para Joe Biden.
A alusão ainda não é efetiva porque só estamos na primeira página, na qual consta apenas a lista de ameaças. A última delas antecipa para 2022 um caos maior do que o verificado em Washington caso a Justiça Eleitoral brasileira insista em não reviver o imbecil e desnecessário voto impresso. Mais uma desinformação deliberada do presidente que não admite lembrar do obsoleto sistema dos Estados Unidos, onde se vota pelo telefone e o mandatário é escolhido por delegados. Será que é mais segura que a nossa urna? Tenham certeza de que não. No Brasil, só a máquina põe a “mão” no voto.
Não que seja impossível, mas para burlá-la será necessária a união incondicional de todos os fiscais de partidos com os mesários. Nesse caso, quem seria beneficiado? Os quatro ventos sabem que um dos criadores da urna eletrônica é fanático “torcedor” do bolsonarismo. Ele tem livros escritos atestando a segurança da máquina brasileira. Interessante porque nunca se manifestou a favor de sua engenhoca e, ainda mais intrigante, jamais procurou ou foi procurado pelo presidente da República para conversar sobre tão instigante tema. Como diria Leonel Brizola, “são os interésses”. O acento no e é para destacar a sonorização gaúcha do fonema.
Perdão pelo desvio, pois o tema é o Trump. Equivocadamente, ele incorporou o espírito de um menino ranheta que, por ser dono da bola, pensou poder comandar a pelada, escolher o juiz e definir quem lhe passaria a bola na hora do gol. Esqueceu de combinar com os russos, que tinham uma pelota reserva e expulsaram o catarrento antes do início do segundo tempo. O tapetão poderia ser a solução, mas novamente a tática falhou, apesar da violência utilizada. Como resultante de seu espalhafatoso perfil e de sua tacanha performance nas urnas, certamente estará alijado de futuros processos eleitorais, terá de pagar o que deve de Imposto de Renda para não ser preso, arruinou a democracia yankee, conquistou inimigos mortais na própria legenda e, se for necessário, dificilmente conseguirá asilo político em nações de primeiro, segundo e terceiro mundos.
Talvez em uma republiqueta presidida por um de seus empedernidos pupilos. Mesmo nelas terá de torcer para que as coisas não mudem até a próxima eleição. Já vivemos épocas em que repúblicas de bananas deixaram de dar cachos podres. O Brasil é uma delas. Durante logo tempo recuperou prestígio internacional, produziu alguns governantes preocupados com o povo, planos perfeitos e longínquos, crescimento econômico, empresários capazes e até a confiança de investidores. É claro que nem tudo foram flores até a chegada do atual mandatário ao poder. Vivemos um período medonho, com ministros, parlamentares e presidentes presos. Foi catastrófico por se tratar de representantes dos trabalhadores, mas sobrevivemos. As instituições se mantiveram de pé.
Ameaçados por uma outra turba que também não aceita o contraditório, o Ministério Público e o Poder Judiciário agiram e colocaram na cadeia todos os ladrões, inclusive os que juraram e juram inocência. Voltando à fase anterior, pasmem, mas era comum recebermos em território nacional presidentes de países pesados, entre eles o dos Estados Unidos. O primeiro líder norte-americano a pisar no Brasil foi Herbert Hoover, em dezembro de 1928. Desde Jimmy Carter, em 1978, todos os presidentes do mais importante país do mundo aqui estiveram. Não consta dos anais que Trump tenha estado por aqui. Na verdade, nem cogitou.
Não veio nem na posse do discípulo, que sonhou fazer do filho embaixador brasileiro na terra de Tio Sam. Trump quebrou uma longa tradição, fez pouco caso do apoio incondicional da família Bolsonaro e deixou os amiguinhos a ver navios. Certamente em breve virão torpedos carregados de várias ogivas sobre os que, desde o início, desdenharam do presidente eleito e reconhecido pelo Capitólio. É a lei do retorno. E o que diremos da China, nosso principal parceiro econômico? Como o empresariado que faz negócios com os chineses não se posiciona, esperemos o temo responder. Os europeus já se disseram de que lado estão. Por enquanto, a única certeza é que o Brasil está fora do mapa com Trump e ficará ainda mais com Biden. Aguardemos as próximas cenas desse filme de satanismo, cujo trailer assistimos estarrecidos na tarde dessa quarta-feira.