Alberico Entrudo, mal sabia, carregava os festejos carnavalescos no singular nome de família. Entrudo! Talvez por isso, uma euforia tomava conta do seu corpo poucos dias antes do feriado prolongado, quando pulava dia e noite, noite e dia, madrugada adentro. Ele se esbaldava por inteiro e mais um tiquinho, caso houvesse espaço para tanto.
Carioca de mãe baiana e pai pernambucano, Alberico herdara a ginga do axé e do frevo, que desfilava pelas avenidas e ruelas da Cidade Maravilhosa. De Padre Miguel a Copacabana, ele não perdia oportunidade para mostrar todo aquele talento dos seus pés, ligeiros, que não atravessavam o compasso, nem depois de tantos goles.
Ao menor sinal de batucada, uma onda frenética o empurrava para aquela chuva de confetes e serpentinas. A felicidade do seu sorriso branco, rodeado de lábios vistosos, não passava despercebida nem mesmo pela mais linda sambista do grupo. Invariavelmente, os homens o invejavam, pois sabiam que estavam diante de um concorrente imbatível quando o assunto era samba no pé ou golpe certeiro na capoeira.
Uma das suas músicas favoritas era “Não deixe o samba morrer”, seja na voz do lendário Jamelão, seja na rouquidão maranhense da Alcione. Alberico, apesar de tantas benevolências adquiridas graças à natureza herdada especialmente da mãe, não nascera com o vozerio de encher quarteirão daqueles dois ídolos do cancioneiro popular. Não que fosse desafinado, pelo contrário. A voz mansa até era do agrado dos que a escutavam. Na verdade, era um charme só!
Não se sabe ao certo se o que se deu foi no carnaval de 1996 ou 1997. Há os que juram de pés juntos que foi muito antes, bem como os que afirmam categoricamente que foi logo após a virada do século. Seja como for, tal precisão não interfere na história, pois, como diria um amigo meu, o Johnny Botafogo, esse acontecido é atemporal.
Também não é possível afirmar por qual escola de samba o Alberico havia desfilado naquele ano. Não que ele não tivesse uma preferida. O homem gostava de falar que era Salgueiro desde que estava na barriga da mãe. Todavia, não era do tipo de renegar um olhar mais atrevido da Portela, da Mangueira ou mesmo da São Clemente. E lá ia o gajo, cheio de ginga, abrilhantar ainda mais o desfile dessas guerreiras do mais famoso carnaval do mundo.
Apaixonado pela Vermelho e Branco, Alberico prometia juras de amor eterno para a namorada de longa data, a Gabriela. No entanto, a sua natureza infiel fazia com que ele também fizesse tal promessa para a Rosana, a Gorete, a Manuela e até para a Rute, a linda mulher que havia acabado de conhecer no trem para a Central do Brasil. Obviamente, que todas desconheciam a existência das outras.
Cinco mulheres completamente apaixonadas pelo mais notório passista que o carnaval carioca conheceu desde o inesquecível Claudionor Marcelino. Tudo ia muito bem, pois Alberico esbanjava saúde, como provava as noites de alcova com direito até a quatro ou cinco desfiles por vez, dependendo da vontade da amada. Que vigor!!!
O malabarista conseguiu ludibriar as suas mulheres durante algum tempo, até que chegou aquele carnaval. Ele deu seus pulinhos pra cá, outros tantos pra lá. Tudo parecia muito bem, até que os amigos lhe fizeram um convite irrecusável para o bloco Suvaco do Cristo. Pois é, Suvaco e não Sovaco, como poderia tentar corrigir algum desavisado.
Para não gerar suspeitas, Alberico fez questão de passar na casa de cada uma das suas cinco mulheres. Ensaiou os passos ao menos duas vezes com cada uma. Mal sabiam elas que o Alberico planejava passar a noite toda dançando, talvez com alguma outra.
O Suvaco do Cristo estava a todo vapor, quando Alberico despontou. Seus pés faceiros o guiaram para o meio da multidão, que o recebeu de braços abertos. Que felicidade! Não demorou, uma francesa desengonçada tentava engatinhar seus primeiros passos. Alberico sorriu aquele sorriso mais certeiro que flecha de Cupido. Cheia de desejos, a estrangeira agarrou o pescoço do homem e o levou para um canto. Amaram-se tanto, que ela saiu com as pernas bambas, mas com a expressão mais feliz do mundo.
O vigor daquele homem parecia inabalável. Não se sabe se era o excesso de testosterona ou apenas o efeito daquela batucada inebriante. E lá estava o Alberico no meio daquele povo, quando, de repente, percebe que logo ali estava a Rute. A mulher já o notara há alguns minutos. Os dois se olharam, e, não demorou, estavam sambando juntos.
Rute quis confirmar se os ensaios de mais cedo haviam surtido efeito. Então, na primeira oportunidade, levou o seu homem para um canto. Amaram-se com direito a repeteco. Quase exausta e com a garganta seca, a mulher fez o amado ir lhe buscar uma cerveja. E lá foi o Alberico fazer mais esse desejo da sua namorada.
Com dois copos na mão, o homem procurava pela Rute na multidão, mas acabou sendo arrastado pelo meio da muvuca. Eis que se depara com a Gabriela, que lhe sorri e, esticando o braço, lhe agradece pela cerveja. Ela toma tudo quase de um gole. Em seguida, Gabriela agarra Alberico e lhe tasca um beijo na boca. Os dois arrumam um cantinho para se amarem.
Adormecida debaixo de uma amendoeira, Gabriela nem percebeu quando Alberico se levantou e, em seguida, seu amado se deparou com outra de suas namoradas. Pois é, Manuela também estava ali. Dizem que ela, a princípio, ficou meio aborrecida por encontrar o Alberico naquele lugar. Entretanto, para evitar também dar explicações para o amante, preferiu se agarrar ao seu corpo e sambar. Sambaram, sambaram, até que os desejos afloraram e, em outro canto, se amaram, se amaram, se amaram.
Que coincidência três das namoradas do Alberico estarem no mesmo local ao mesmo tempo. Pois é, mas dizem que besteira pouca é bobagem. Tanto é que a Gorete e a Rosana também não quiseram perder o alvoroço do Suvaco do Cristo, que, já naquela época, era um dos maiores blocos de carnaval do Rio de Janeiro.
Ele esbarrou primeiro com a Gorete, talvez a mais ardente das suas cinco mulheres. Dizem que ela não se contentou com os dois desfiles que fizeram no canto. Gorete quis mais dois e, se Alberico ainda tivesse ânimo, provavelmente afinariam os instrumentos para ao menos outros três. Quase desfalecido, ele mal percebeu quando a mulher se levantou e foi se meter no meio da galera, que a arrastou.
Alberico foi despertado pelo beijo da Rosana. Ele sorriu um sorriso cansado para a namorada, que lhe retribuiu com um beijo apaixonado. A mulher, não se sabe com que milagre, conseguiu fazer com que o amante tirasse forças para mais um desfile. Aliás, o derradeiro desfile de um dos maiores sambistas do carnaval carioca. Já deitado, Alberico não mais conseguiu se levantar depois daquele último suspiro. Morreu ali mesmo naquele canto.