A reverência a Marina Silva (PSB) como uma candidata à presidência acima das manobras do jogo político e a comoção gerada pela morte trágica de Eduardo Campos têm prazo de validade na corrida ao Planalto, e ele é curto. A avaliação é feita por analistas e cientistas políticos que apontam não mais do que duas semanas para que os eleitores se cansem dos dois fatores que vêm sendo utilizados pelo PSB e, em alguns casos, até pelos adversários. Caso a legenda insista na estratégia, corre o risco de fazer com que os elementos que geraram empatia acabem causando repulsa.
“Às vezes damos no Brasil um caráter quase religioso para a política, com políticos sendo tratados como uma espécie de messias. Mas o mesmo enredo usado para alçar um determinado personagem a esta posição, também pode servir para uma rápida inversão”, assinala o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo González, em entrevista ao Terra.
Os primeiros sinais do esgotamento do uso político da tragédia envolvendo Eduardo Campos já apareceram. Na quarta-feira, segundo dia da propaganda eleitoral no rádio e na TV, a farta exploração da imagem do ex-governador gerou protestos nas redes sociais. Em Pernambuco, a família solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral a restrição do uso da figura do ex-governador por parte de partidos e coligações não aliados ao PSB. O pedido foi acatado. Marina também criticou a utilização feita por adversários, apesar de o PSB seguir exatamente a mesma linha.
“O público brasileiro se cansa rápido da exploração. Daqui a alguns dias, vai perguntar se é só isso. Caso a candidatura não encontre outros pontos de apoio, enfrentará dificuldades”, avalia González. As primeiras dificuldades práticas apareceram tão logo foi preciso demonstrar que PSB e Rede marcham juntos. As divergências atrasaram o anúncio oficial da chapa, na quarta-feira. Nesta quinta, Carlos Siqueira, secretário-geral do PSB, e que coordenava a campanha de Campos, deixou o posto, atribuindo o gesto a suas divergências com Marina.
Se não funciona internamente, o uso do ‘legado Campos’ para tentar unificar o discurso e arregimentar seguidores também tende a não ter a eficácia pretendida junto ao eleitorado. “Eduardo Campos, que não havia conseguido alavancar sua candidatura nem nos outros estados do Nordeste, se tornou um mito em questão de dias, inflado pela tragédia. Vivo, dificilmente teria alcançado este patamar de admiração. Mas, aos poucos, as coisas voltam a sua dimensão”, projeta o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. “No momento do impacto, é até deselegante alguém dizer que ele, apesar da candidatura, da visibilidade nacional e da possibilidade de ser uma alternativa, era mais um governador”, completa González.
Já em relação a Marina, Castello Branco acredita que sua nova condição, de cabeça da chapa, vai desmanchar a imagem de santidade que a ex-senadora cultiva. “Ela sofrerá ataques em suas fraquezas. Até hoje, não foi testada como gestora, há incoerências entre seu discurso messiânico e o do partido, mais pragmático, e muitas situações a contornar nos estados”, resume.
Somam-se a lista o pouco tempo no horário eleitoral na comparação com a presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB), o histórico fornecido por antigos correligionários de que Marina tem um perfil autoritário, as dificuldades na estrutura partidária, e as incertezas a respeito da capacidade de arrecadação da chapa. Entre lideranças socialistas, a conclusão é de que a morte de Campos, apesar do trágico efeito positivo sobre a campanha, só fez aumentar as dificuldades do partido em se tornar uma sigla de fato com porte nacional.
No Rio Grande do Sul, estado do vice na chapa, Beto Albuquerque, publicamente os socialistas minimizam os efeitos negativos sobre a construção do projeto partidário. Mas, em reservado, admitem que será preciso conter Marina para que o projeto avance. “Este é justamente um dos papéis a serem desempenhados pelo Beto”, informa um dos integrantes da executiva estadual.
O equilíbrio quanto ao perfil dos eleitores a serem buscados é outro desafio para a chapa. Em 2010, quando, concorrendo pelo PV, Marina ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, com 19,33% dos votos válidos, ela cristalizou o chamado voto de protesto e, ainda, o evangélico. Em 2014 há outro cenário. O Pastor Everaldo (PSC) tem uma parte do voto evangélico. As bandeiras do PV são defendidas por Eduardo Jorge. Luciana Genro (PSol) trabalha para arregimentar o voto de protesto. “Se Marina tentar cultivar ainda mais o voto de protesto, perderá o de outros segmentos”, resume Castello Branco.