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Anima Mundi leva para as telas obras do cineasta Ushev

Foto/Reprodução/Google

Pedro Antunes

Vaysha era cega, mas conseguia enxergar. Nasceu com uma habilidade rara: o olho esquerdo, verde, enxergava o passado; o direito, castanho, via o futuro. Em um passado medieval distópico, Vaysha era tratada por bruxas e curandeiras. Em vão. Tinha, à sua frente, o passado e o futuro. Um homem que estivesse diante dela seria enxergado como um ancião e um bebê. Para ela, o presente não existia.

“Queria criar uma história que contasse, e de alguma forma lúdica, o que estamos vivendo hoje”, explica Theodore Ushev, o diretor e animador de Blind Vaysha, um curta-metragem que precisa de oito minutos para fazer o espectador, do outro lado da tela, pensar por horas. “Perceba como deixamos de viver o presente? Temos a nostalgia do passado, temos medo do que virá com o futuro. Perdemos a capacidade de viver o que está diante de nós.”

Ushev, um búlgaro residente em Montreal, no Canadá, tem a metáfora a seu favor. Sua Vaysha, uma adaptação de um roteiro do também búlgaro Georgi Gospodinov, é a metáfora perfeita para o presente. Não é por acaso que a animação, que parece tirada de telas de pinturas rústicas, gastas pelo tempo e de traços tortos, foi selecionada entre os indicados do Oscar deste ano na categoria de melhor curta animado.

Em um quarto de hotel localizado na zona sul de São Paulo, Ushev divaga entre quais museus e galerias de arte da cidade visitará durante a passagem de três dias por aqui. O búlgaro é um dos destaques da programação da 25.ª edição do Anima Mundi, festival de animação cuja versão paulistana se inicia a partir desta quarta-feira, 26. Serão, até domingo, exibidos 470 filmes de diferentes formatos e durações, vindos de 45 países.

As sessões ocorrem no Caixa Belas Artes, Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural São Paulo, Cinemateca Brasileira, Circuito Spcine e Senac, com ingressos cujo valor não ultrapassa os R$ 10. Além disso, diretores de alguns dos curtas terão a chance de bater um papo com o público interessado em suas obras e visões de mundo. Ushev, presente na semana passada na edição carioca do Anima Mundi, lembra-se emocionado com a lotação da sala onde estava para conversar. “Era um público muito interessado e interativo. Quando percebemos, estávamos falando de política. Foi muito emocionante.”

Ushev comanda um papo com o público paulistano no CCSP nesta quarta, 26, a partir das 20h. Ele entende que a animação é a arte do século 21. “Assim como o cinema foi a arte do século 20, o teatro do século 19, a ópera para o século 18”, ele diz. “Até mesmo filmes de ação, bem grandes, usam muita parte de animação. Vivemos em um mundo falso. De falso governo, falsa comida. Diante disso, a animação parece estar, cada vez mais, se aproximando da realidade. Ela parece ser mais real do que o mundo em que vivemos.”

E o caminho a ser traçado pela animação contemporânea, diz o cineasta, é justamente o encontro entre o nosso mundo e aquele criado a partir da tela em branco, com o desenvolvimento do uso de realidade virtual. “Esse, para mim, é o futuro”, ele diz.

Concorda com o colega o animador e quadrinista Robert Valley, também do Canadá, outro destaque da programação paulistana do Anima Mundi. “Em todos os lugares que vou, essa é a tendência. É o trem que todos querem buscar atualmente, sem dúvida.” Valley também esteve entre os indicados para o Oscar deste ano na categoria de melhor curta animado e, assim como Ushev, está na programação do festival: o papo ocorre no CCSP, na quinta, 27, às 18h.

Seu trabalho também parte de algo autoral. No caso de Pear Cider and Cigarettes, contudo, ele tem seu início no que ele viveu. A trama conta, em primeira pessoa, como se o espectador estivesse nos olhos de Valley, a jornada de Techno, um amigo com uma capacidade de se autodestruir e juntar os cacos, aos poucos. “Eu sempre busquei a minha independência”, diz ele, que trabalhou em HQs e nos times de outros diretores – ele ajudou a criar o mais recente clipe da banda fictícia Gorillaz, como parte da equipe de James Fawcett, o criador do quarteto animado. “Minha busca é por alguma coisa que passe por mim, que tenha a minha visão de mundo, que tenha subversão e algum humor.”

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