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58 velinhas

Aniversariante guarda data para doces recordações

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Maria Luiza, pouco antes de assoprar as 58 velinhas no enorme bolo de chocolate, cerrou os cílios negros sobre os olhos argutos. O marido e os filhos observaram a mulher, que, sorrindo, encheu os pulmões e expeliu todo aquele ar em forma de efêmera ventania, o suficiente para apagar as chamas.
O primeiro pedaço, para surpresa da plateia, foi para a aniversariante. Fernando, o marido, sutilmente, fez bico com os lábios, talvez não percebido pelos presentes. A mulher, todavia, sorriu da birra do amado, enquanto lambuzava dedos e boca com o sabor característico de chocolate.

— Gente, como isso é bom!

Alguns sorrisos tomaram conta do ambiente, enquanto Maria Luiza tomou novamente a faca em suas mãos e partiu outro pedaço. Em seguida, já se saciando com a fatia, virou-se com os dentes sujos de chocolate.

— Por favor, sirvam-se!

Ao esposo coube a tarefa de partir o restante do bolo e servi-lo aos convidados, que eram quase os mesmos de anos anteriores. A ausência de tia Eulália foi sentida, ainda mais porque conseguia animar o ambiente com seus causos curiosos e, muitas vezes, inusitados. Pobre senhora, não resistiu ao enfisema pulmonar. Como a velha fumava! Não à toa, era chamada de dona Chaminé pelos amigos e alguns desafetos.

Outra parenta ausente, Marília, prima quase irmã, finalmente havia resolvido conhecer as pirâmides do Egito.

— Vem comigo, Maria Luiza.

— Hum! Bem que eu queria, mas não tem como abandonar as minhas turmas na faculdade.

— Ah, aprova todo mundo e venha comigo, boba!

Maria Luiza adorava o jeito amalucado da prima, que muitas vezes contrastava com a seriedade que ela levara a própria vida. Ela casara logo após concluir o doutorado, quando já possuía uma próspera carreira acadêmica em química. Fernando era seu colega, mas em outra área: literatura.

O casal, durante anos, desejou ter um filho, ideia que foi adiada por pouco mais de uma década. Quando a mulher engravidou, bateu aquela insegurança, que foi transformada em desespero já na primeira consulta com a obstetra: gêmeos.

Apesar dos percalços da maternidade, que vieram em dobro, Maria Luiza até que se saiu bem. Fernando parece ter sido o mais afetado, pois levou um tempo para perceber que aquele fardo também lhe pertencia. E, entre uma briga e outra, o casal conseguiu superar as barreiras, e a cria cresceu praticamente sem traumas.

Pois é, a aniversariante, enquanto recolhia com os dedos o resquício de cobertura no guardanapo, observou os presentes. Não tardou, seu pensamento foi transportado para os tempos de criança, quando corria serelepe pelas areias de uma das praias gaúchas. Que sonhos aquela garotinha sonhava? Será que ainda havia resquícios daquela menina em Maria Luiza?

Fernando, percebendo o semblante diferente na esposa, se aproximou. Passou o braço pela cintura da mulher e a beijou na face. Ela sorriu e abraçou o companheiro.

— Maria Luiza, sabia que às aniversariantes é reservado um pedido especial?

— Hoje não quero nada além do que recordações, meu amor.

…………………

Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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