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Anna Muylaert se supera com Mãe Só Há Uma, após o famoso Que Horas ela volta

Luiz Carlos Merten

Entrevistado na estreia de Big Jato, Matheus Nachtergaele disse que achava Mãe Só Há Uma, o novo longa de Anna Muylaert, superior a Que Horas Ela Volta?. Por polêmica que seja a afirmação, o repórter concorda. Mãe Só Há Uma é melhor, sim, no sentido de mais ousado, criativo e até político, mas não se dá com tanta facilidade ao público. A própria Anna diz que nunca fez um filme como esse, com tantos ‘saltos’. Muita coisa tem de ser preenchida pelo público. Mãe estreia nesta quinta, 21. Antes disso, na quarta, 20, abre o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, no qual Anna será homenageada.

“O Festival deste ano traz muitos filmes de mulheres. Me propuseram a homenagem e eu aceitei. É sempre oportuno discutir o machismo, face a tanta violência que ocorre pelo País”, reflete a diretora. E Anna nem espera a entrevista ir adiante para esclarecer uma coisa que a aflige.

“Você escreveu (no jornal e no blog) que o público reduzido de Big Jato foi consequência da polêmica em que me meti com o Claudião (o diretor Cláudio Assis). Eu não me meti em polêmica nenhuma. Amo o Claudião e o filme dele, e não faria nada para prejudicar um nem outro. O episódio foi público (o debate no Recife que terminou com agressões verbais à diretora). Eu pedia ‘Claudião, cala a boca, não fala’, mas ele não se controla. O pior é que é um doce de pessoa e cria essa imagem horrível. Mas é preciso, sim, discutir o racismo, o machismo. Esses casos de estupro, de agressões a gays. Tem tudo a ver com Mãe Só Há Uma.”

O filme inspira-se no caso de Pedrinho, o garoto de Brasília que sumiu da maternidade, em 1986. Mais tarde, a sequestradora foi localizada e era mãe adotiva do garoto. Na ficção de Anna, Pierre descobre que sua história é similar. Ocorreu com a irmã e ele. A mãe vai presa e o garoto é entregue à família biológica. Happy end? Agora é que o drama começa, com o que o próprio Pierre, ou Felipe, chama de segundo sequestro. Anna é crítica. “A família é a primeira instância do Estado”, acusa. O sequestro a persegue, como tema. “Durval Discos já tinha sequestro. Outros filmes meus também têm. A própria Jessica em Que Horas…? vivia uma situação esquisita”, lembra.

Mas o sequestro é só meio filme. “Fiquei anos cuidando da família e do trabalho. Quando meus filhos cresceram e eu voltei à noite de São Paulo, tive um choque. Não estava entendendo mais nada.”

Mãe dá conta desse estranhamento. Marcelo Caetano, assistente de direção com crédito de roteiro, foi quem apresentou Anna a esse novo mundo. Gender fluid. A fluidez de gênero, o gênero fluido. Meninos que se maquiam, vestem roupas de mulheres – e namoram e fazem sexo com as garotas, mas não se vexam de beijar outros meninos. “No final das sessões, muita gente me pergunta se o Pierre é gay. Não tem resposta. Minha esperança é que a gente consiga evoluir para um mundo livre desses rótulos.”

O pai biológico, Matheus Nachtergaele, tenta enquadrar o filho. A situação vai num crescendo até um confronto – verbal e físico dos dois. É quando ‘Felipe’ grita sobre o segundo sequestro. A cena é forte. O apoio vem de onde você talvez não espere. O final é lindo. O repórter confessa que chorou. “É muito emocionante. Choro sempre nessa cena, como chorei com a Val na piscina em Que Horas Ela Volta?”, conta a diretora. É um filme político. “Alguém já publicou um meme substituindo ‘Mãe’ por Dilma”, diz Anna. Faz todo sentido. Mãe é sobre o sequestro do Brasil.

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