Capitolina
Anoitece, amanhece e a bolsa cheia. Sem traição, claro
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em— Você nunca me traiu, Capitolina?
— Não, Bentinho!
— Jura?
— Juro, meu amor!
Sendo assim, no portão, Bentinho beijou a esposa na testa, despediu-se e saiu satisfeito para mais uma viagem a negócios. Capitolina, por sua vez, com os olhos negros, oblíquos e dissimulados de cigana sedutora, acompanhou a silhueta do esposo desaparecer na esquina. A seguir, virou-se, entrou em casa e sorriu sentindo o prazer da solidão efêmera.
Já dentro de casa, agora respirando aliviada, Capitolina dirigiu-se ao quarto, abriu o guarda-roupa e admirou a bolsa de couro, trancada a sete chaves, abarrotada de dinheiro. Voltou para a sala, deitou-se no sofá e abriu o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Começou ler concentrada esperando o tempo passar. Bocejou. Fechou o livro, cochilou e sonhou dançando no meio de dezenas de anjos gordos, corados e exibindo nudezes obscenas na beira de uma enorme piscina.
Ao anoitecer, usando saia curta, blusa decotada e meias transparentes, Capitolina saiu para fazer mais alguns programas pelas ruas da cidade. Deitou-se em leitos cálidos, comprimiu os lábios e sussurrou dissimulando orgasmos. Sentiu odores de perfume, sabonete e suor. Sentiu hálitos quentes, fétidos e cheirando a álcool, cigarro, maconha, cebola e menta. Sentiu cheiros de homens, muitos homens de todas as peculiaridades físicas.
Antes do amanhecer, Capitolina voltou para casa de consciência tranquila, sorridente e a bolsa cheia de dinheiro. Afinal, sexo por dinheiro não se enquadra como perfídia. Isso mesmo, não se enquadra como traição! Trata-se de uma espécie de comércio, de um passatempo e, na verdade, de um fetiche recheando os sonhos de muitas mulheres casadas. Além do mais, como uma bela mulher, sempre adorou sentir-se forte, poderosa e dominadora cobrando pelos suspiros, sussurros e deleites dos homens gozando em suas entranhas aos gritos de Capitu.
Podem pensar, falar e escrever o que quiserem, mas, no âmago, Capitolina sempre amou, ama e amará somente o esposo Bentinho. Sim, Bentinho, um homem alegre, probo e educado, porém taxado injustamente de casmurro.