Em 2006, um bem humorado diretor estadunidense lançou Idiocracia ou Terra de idiotas, uma distopia que conta a história de um experimento militar de hibernação que dá errado. Graças a esse erro, 500 anos depois, um dos militares hibernados, um bibliotecário do exército sem nenhuma relevância para a Força, acorda do experimento esquecido. Nesse período, os humanos inteligentes optaram por não ter filhos, os menos inteligentes reproduziam-se indiscriminadamente e as gerações mostraram-se cada vez mais burras.
Graças a um acidente, esse bibliotecário comum irá despertar em meio a uma população estúpida, anti-intelectual e alienada. O bibliotecário tido como criminoso por não ter registros acaba, por um conjunto de peripécias, como um político renomado responsável por supostamente resgatar o mundo de uma grave crise agrária e econômica.
Evidentemente esse roteiro não coincide com o da atual política brasileira, mas nos dá o que pensar. Isso porque qualquer um que repare nas tomadas de decisão de uma figura secundária do Exército que foi alçada a posição máxima da República, irá notar o quanto ações estúpidas de um idiota passaram a ter um índice de aprovação considerável, ainda que cada vez mais em xeque, por uma parcela relevante – e por vezes instruída – da população. Não estamos numa idiocracia, de certo, mas estamos diante de uma grave crise econômica e de saúde pública, para não falar na regressão das políticas em áreas cruciais como a ciência, a educação, a agricultura, o meio ambiente.
E as batalhas de comunicação travadas pelo governo muitas vezes são vencidas apelando para o que há de pior e mais vil: desvios para falas desconexas, ofensivas ou debochadas. Ainda que creditemos essa vontade de regressão aos setores historicamente retrógrados, devemos nos prevenir de nos consolar com o ato de encontrar culpados. Julgar só não resolve. Para não sucumbirmos à ameaça de nos transformarmos num grande experimento militar de longa duração, será preciso rever o país a sério, desmobilizar a militarização da política em curso, encontrar inteligências capazes de fazer pactos que protejam as pessoas e o país de interesses idiocráticos. Será preciso fazer política a sério e institucionalmente para além dos interesses pessoais.
Idiocráticos são os que acreditam que quanto pior, mais fácil de governar; quanto menos CPFs, mais barata a mão de obra. quanto menos dignidade, mais gente implorará pelo que comer. Eles ofendem qualquer cidadão que defenda um regime democrático. Precisamos reunir as inteligências disponíveis para construir um país capaz de se blindar de vez dessas aventuras idiocráticas, numa revisão semelhante àquela feita após a Segunda Guerra Mundial em países que sofreram com os assombros do autoritarismo. Será necessária a coragem de rever nosso passado recente, de planejar um futuro audacioso e de agir no presente com generosidade, racionalidade e precisão para que essas figuras assombrosas e hibernadas não retornem de seus experimentos querendo se fazer soar como o messias democrático da vez.
Jean D. Soares é doutor em filosofia e desenvolve projetos de convivência em espaços públicos.