No Brasil da antipatia de ocasião, aquele em que a vaca profana foi para o brejo faz tempo, as divinas tetas não voltam mais. Apesar disso, é aqui que a manada oca e espalhafatosa torce onipresentemente contra a própria pátria. Isso depois de quatro anos afirmando que o Brasil estava acima de tudo e Deus acima de todos. Com Deus eu concordo. Agora, não vejo paralelo entre as pessoas normais e as que, mesmo estando longe daqui, viraram a cara, deixaram de dormir e podem até matar quem ainda está aqui. Ironias do destino ou choro incontido de quem perdeu o bonde da história? Acho que as duas coisas.
Torcer democraticamente contra o Flamengo, o Vasco, a Portela, a Mangueira ou o Salgueiro é da alma do brasileiro. Entretanto, torcer malignamente contra o que traz alegria para o povo é da alma dos invejosos, dos sádicos, dos celerados, dos tiranos e dos perdedores de dignidade. Indo direto aos fatos, sem baldeação na perversidade alheia, milhares de milhões de brasileiros interromperam temporariamente o carnaval para vibrar com a inquestionável premiação do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, escolhido em pleno domingo carnavalesco como o melhor filme internacional. Com exceção dos que andam para trás, o Brasil parou. Foi uma explosão de alegria.
“Perdemos” as indicações de melhor filme e de melhor atriz. E daí? Valeu! E como valeu! Além dos brasileiros de bem, quem mais ganhou foi a família Paiva, notadamente a matriarca Eunice Paiva, personagem de Fernanda Torres. Aliás, Fernanda Torres foi o pivô da sanha invejosa e do inferno astral de duas ou três semanas dos “patriotas” que não admitem que seus adversários alcancem o sucesso que eles não conseguem alcançar. Notícia em todo o mundo, Ainda Estou Aqui ganhou o Oscar da indústria audiovisual de Hollywood, o primeiro de nossa história.
De nada adiantaram os dedos cruzados dos “patriotas”. Para eles, sobraram as bolas que Oscar, o jogador de basquete, deixou de enfiar na cesta. O Brasil da sensibilidade e da solidariedade dormiu feliz e acordou orgulhoso e em paz. Antes do Oscar, foram 38 prêmios internacionais para Ainda Estou Aqui. A arte brasileira mais uma vez venceu o ódio dos “artistas” que tentaram transformar a pátria amada em um circo dos horrores. Sorte a lona ter queimado antes que os protagonistas do mal conseguissem palco para o espetáculo dantesco iniciado bem antes de 8 de janeiro de 2023.
Com todos os méritos, mostramos ao mundo que somos superiores aos autocratas, aos antidemocratas, aos sabotadores de eleições, aos destruidores dos símbolos da República e aos golpistas. Temos talento e inspiração para dar, vender e emprestar àqueles que ficam felizes com a desgraça dos outros, principalmente aos que sofrem com o sucesso dos que são capazes de ficar longe da espetaculosa contaminação política da extrema-direita. Deu bom para o cinema e para a cultura brasileira. Isso já basta? É claro que não! Queremos mais.
Além do título de produtor da maior festa popular do planeta, o Brasil pós-Jair Bolsonaro dispõe de quase nada para orgulhar seu povo. Walter Salles, Fernanda Torres, Fernanda Montenegro nos orgulham. Sou contrário a todo tipo de exaltação maldosa, mas torço para que a “vaca profana inunde as almas dos caretas”. O momento é de vibrar, de comemorar e de louvar os que não montam espetáculos somente para os seus. O Brasil é de todos, inclusive daqueles que foram obrigados a não estar mais aqui e que odeiam ver o povo feliz. Como Ainda Estou Aqui, em nome dos que também estão, eu vos digo: “Nós vamos sorrir sim! Sorriam!”.
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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras