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Anúncio fúnebre faz renascer construtor de castelos

Há momentos na infância que nos marcam como ferro em brasa no couro de gado. Cicatrizes tão profundas, que nem um fiozinho de cabelo se atreve a nascer sobre tamanha devastação. Não que esses instantes sejam de todo desagradáveis, já que também há aqueles que nos transportam para o passado e nos enchem de sorrisos bobos nos lábios, mesmo que já envelhecidos depois de tantas primaveras.

Eustáquio, no alto dos seus mais de 70, apesar de sempre ter se atrasado para o trabalho, agora, já aposentado, era pontual no seu encontro matinal com a praia, logo ali à frente, não mais que trezentos passos da sua quitinete em Copacabana. Atravessava quatro ruas e, antes que pisasse na areia, retirava o chinelo.

O primeiro contato dos pés com aqueles infinitos grãos era uma das sensações mais gostosas que esse tempo lhe trazia. Não que o velho tivesse uma vida ruim. Pelo contrário. Era um fanfarrão, desses capazes de passar o dia inteiro em confraternizações com amigos ou mesmo simples conhecidos do último verão.

Já sem idade para levar um baldinho e uma pá para fazer castelos na areia, ele armou a cadeira e abriu o jornal. Entre uma notícia e outra, dava uma olhada no público ao redor. Alguns corajosos encaravam aquela água gelada, enquanto outros tentavam manter a bola no ar em eternos altinhos. Obviamente que velhos faziam caminhadas pela orla, assim como também se deitavam em cangas, algumas quase tão gastas como eles.

Pois lá estava o Eustáquio observando um menino, talvez com seus dois ou três anos, construindo castelos de areia. Diante de tal visão, o velho foi transportado para sua infância, quando também gostava de se fazer mestre de obras, mesmo não sabendo, naqueles idos, o que isso significava.

Eustáquio voltou os olhos para o jornal e, surpreso, descobriu que um velho conhecido, o Augusto, havia morrido. A viúva e familiares convidavam amigos e conhecidos para o velório, que ocorreria ainda naquele dia, logo ali no cemitério São João Batista.

O velho foi transportado novamente para o longínquo passado, quando ele e Augusto corriam por toda aquela orla em busca de tatuí. Ele voltou os olhos para o menino que brincava na areia. O tempo pode ser cruel, é verdade. Mas também é divertido quando se sabe sorrir.

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