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Aos 80 anos e com disposição, Elza Soares prepara novo disco

Foto: Divulgação

“Eu vou cantar. Me deixem cantar até o fim. Lalaiá! Lalalaiá! Até o fim eu vou cantar. Eu quero cantar. Eu quero é cantar. Eu vou cantar até o fim. Laralaralaiá. Eu vou cantar. Eu vou cantar. Me deixem cantar até o fim. Me deixem cantar. Me deixem cantar até o fim”.

Os acompanhamentos em violino se foram. Restou a voz e o dedilhar da guitarra. A voz, enfim, silencia seu canto. Seu pedido. Um último pedido, talvez. Chega ao fim A Mulher do Fim do Mundo, segunda faixa do álbum de 2015, escolhido pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como o disco do ano. Selecionado pelo Grammy Latino como o melhor trabalho da música popular brasileira – entre outras tantas citações em listas, premiações, etc.

O canto que encerra a canção veio no improviso. Uma artista, na época à beira dos 80 anos de uma vida intensamente vivida, sofrida e gozada, a cantar o fim. Fim dela? Do mundo? É bonito. Genuíno. Corta como uma lâmina cega, estraçalhando o que vê pela frente. Elza, com A Mulher do Fim do Mundo, lançava o primeiro álbum de músicas inéditas de toda a carreira. Tratava-se de um “presente”, como diz Guilherme Kastrup, o produtor que orquestrou toda a reunião de novos músicos da cena brasileira – principalmente centrado no núcleo paulistano formado por Rodrigo Campos, Rômulo Fróes, Kiko Dinucci e Marcelo Cabral.

A artista carioca – que se apresenta em São Paulo nos dias 25 e 26 deste mês, no Sesc Pompeia, com o show paralelo A Voz e a Máquina -, hoje aos 80 anos de idade (seu aniversário é 23 de junho), assumiu a persona dessa mulher a testemunhar o fim do mundo. O disco, mergulhado nas profundezas do samba, num ambiente escuro, sombrio, é o que pode ser chamado de samba-punk e se transforma na trilha sonora desse apocalipse. Como se o mundo estivesse em cacos, em chamas e entulhos. Resta, apenas, Elza, eterna, uma highlander, a cantar até o fim dos tempos, tão próximo.

A partir dessa cena, começa a nascer Deus É Mulher, o sucessor de A Mulher do Fim do Mundo, o novo trabalho de Elza, dessa vez lançado pela gravadora Deck, com quem a artista acaba de assinar contrato. A informação foi obtida pela reportagem em primeira mão. “Penso que este título traz a ideia da continuidade de A Mulher do Fim do Mundo”, escreve Elza, ao Estadão.

A artista preferiu responder às questões por escrito. E o fez à mão. Seu empresário transcreveu as respostas e enviou por e-mail de volta à reportagem. A escrita de Elza é coloquial, divertida. Pontua com empolgação (adora o uso das exclamações) e chama o repórter de “cara”. “O disco anterior denunciava as mazelas e o caos do mundo. O novo trabalho sugere o nascimento de uma nova era, conduzida pela energia feminina”, explica ela.

Novamente, o comandante dessa nova jornada musical de Elza Soares é Kastrup, produtor do álbum, cuja direção artística é assinada por Rômulo Fróes. Dinucci, Cabral e Campos também assumem as funções de co-produtores do trabalho, cujo lançamento será realizado ainda neste primeiro semestre. As bases foram gravadas no Red Bull Studio. Atualmente, os músicos trabalham na “cobertura” das canções. Na sequência, as vozes serão gravadas no estúdio Tambor, no Rio.

O álbum vem sendo erguido desde setembro, quando Kastrup passou a se comunicar com possíveis compositores e reunir material inédito para o disco. Dessas canções – por volta de 60 músicas recebidas, normalmente registradas em voz e violão -, 20 foram selecionadas e levadas para Elza, para o corte final. Ficaram com oito delas, chegaram mais três. Deus É Mulher, à princípio, terá 11 músicas. São canções assinadas por nomes como Tulipa Ruiz, Alice Coutinho (que compôs A Mulher do Fim do Mundo com Fróes), Mariá Portugal, entre outros.

O título de Deus É Mulher deriva da canção de Deus Há de Ser, música de Pedro Luís (d’E a Parede), canção trazia pela própria Elza. “Cara, foi essa música que me fez repensar no título deste disco”, explica. “Quando o Pedro Luiz cantarolou a música em meu ouvido, eu fiquei louca!!! Quando ele me mandou a musica não tinha duvida que essa música entraria no disco… Lógico!”, completa.

Elza viveu e venceu as batalhas das mais duras ao longo da vida – reergueu-se de todas. “Ela é uma fênix”, brinca Kastrup. Ao cantar Maria de Vila Matilde, fundamentou um grito de basta contra a violência doméstica, algo vivido por ela. “Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim”, canta ela, em música assinada por Douglas Germano. “Foi importante trazer esse assunto para o nosso dia a dia”, escreve ela. “Vivi o que canto hoje. “Vou lutar até o fim pela mulher e também pelo negro e pelos gays! São minhas bandeiras. Precisamos mudar o mundo urgentemente!”, conclui. Como alguém com uma missão, Elza não pensa no fim cantarolado em A Mulher do Fim do Mundo. “Estou muito mais preocupada com o presente”, ela diz. “Eu sou o agora!”

Quando A Mulher do Fim do Mundo foi idealizado, o desejo do chamado “núcleo criativo” que criou o trabalho era dar um presente a Elza Soares: o seu primeiro disco com canções totalmente inéditas. “Era um disco despretensioso nesse sentido”, explica Guilherme Kastrup, responsável por orquestrar o álbum da cantora de 2015 e segue, na mesma função, no novo álbum dela, Deus É Mulher, atualmente em processo de gravação, em estúdios em São Paulo e Rio de Janeiro. “A gente não imaginava a proporção que A Mulher… iria tomar. Quando esse show foi para a estrada, houve um rejuvenescimento espantoso do público. De um pessoal de 50 a 60 anos, em média, para uma galera de 19 a 35 anos”, explica Kastrup.

A reação do público foi uma surpresa até mesmo para Elza. “Quando terminamos de gravar esse disco, eu até pensei que o público não fosse gostar, porque é um disco muito forte, muito denso…”, avalia a cantora. “Quando iniciei a tour e o público cantava comigo todas as músicas, fiquei surpresa.”

Kastrup se vê como um elo entre o samba contraventor que marca a carreira de Elza Soares com a produção da trupe Kiko Dinucci, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral – eles costumam colaborar entre si e formam, juntos, a banda Passo Torto. “A Elza possui esse espírito contraventor, essa coisa meio roqueira, pink, visceral”, avalia Kastrup. “E o grupo totalmente habita dentro desse ambiente também. Temos uma raíz na música brasileira, no samba, mas não só nele. Há algo de metropolitano, mais abrangente.”

O quarteto que forma o Passo Torto segue intacto como núcleo de Deus É Mulher. “Em time que está ganhando não se mexe”, explica Elza. Campos (cavaco), Dinucci (guitarra), Cabral (baixo) e Fróes (direção artística) são acompanhados de Kastrup (bateria) e Mariá Portugal (percussão). “Essa criação é coletiva”, explica o produtor. “Deus É Mulher não tem exatamente a mesma estética, mas existe uma continuidade”, explica Kastrup. Sobre o conceito que costura as canções, Elza diz: “(O disco anterior) denunciava as mazelas e o caos do mundo. O novo trabalho sugere o nascimento de uma nova era, conduzida pela energia feminina”.

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