Notibras

Ápice da ignorância é ideologia estar acima da família e amigos

A menos que tenha sofrido uma pane mental com décadas de duração, afirmo e, se houver necessidade, reconheço firma que nunca na história deste país experimentei uma eleição tão chata e modorrenta como esta que se avizinha. E não credito a chatice apenas à polarização entre um candidato da direita e outro da esquerda. Pelo menos desde 1989 tem sido assim. Vale lembrar que no primeiro pleito após a redemocratização, a disputa final também envolveu dois extremos, representados por Luiz Inácio e por Fernando Collor, então caçador de marajás. Vitorioso, Collor aproveitou somente metade do mandato de quatro anos. Embora tenha embarcado no potente helicóptero presidencial, saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Acabou se revelando um ótimo caçador, mas de borboletas.

Passados 33 anos da famosa edição do Jornal Nacional, manipulação que culminou com a vitória do ex-dono do mundo, eis que Lula da Silva volta ao palco eleitoral para uma nova contenda a dois. A diferença de 1989 para 2022 é o adversário. Com defeitos inenarráveis, Collor pelo menos era – não sei agora – um democrata. Naquela época, o eleitorado brasileiro buscava discursos ou apresentações de vanguarda. “Caçar” salários volumosos de uma casta que até hoje não saiu do cenário era uma novidade. Mais tarde ficou claro que se tratava de mais uma lorota de campanha. Tão grande que, esquecendo rapidamente os marajás, Collor e sua trupe fizeram o que mandatário algum sequer havia imaginado: confiscou os bens do trabalhador mediano, deixando centenas de milhares na miséria.

Essa é uma das razões pelas quais ninguém jamais esqueceu o hoje senador alagoano e um dos líderes da tropa de choque de Jair Bolsonaro. Voltando aos dias atuais, tudo indica que parcela inexpressiva dos 156 milhões de eleitores votará com convicção nesse ou naquele candidato. A maioria esmagadora deverá votar contra um ou contra o outro. A causa pode ser justa, mas, embora possa não atingir a democracia, certamente o efeito será danoso para o futuro da nação. O problema é que, ao fim e ao cabo, a meia dúzia à direita ou à esquerda dificilmente se sentirá representada pelo vencedor. Por isso, melhor que pensemos bem antes de produzir uma rainha da Inglaterra tropical.

Nesse caso, ainda que não haja uma ruptura institucional, deveremos permanecer como país dividido entre o povo de Deus e a turma do Diabo. Pois é exatamente o que vivemos atualmente e devemos evitar. Natural do ponto de vista estritamente político, a polarização em torno de Lula e Bolsonaro ultrapassou os limites do razoável, atingindo em cheio o bom senso, a sensibilidade e a convivência entre as pessoas. Aceitável nas mesas de botequins e até nas filas de supermercados ou de bancos, a discordância ideológica alcançou as famílias. A partir das discussões acaloradas vieram o esfriamento nas relações entre pais e filhos, entre irmãos e entre cônjuges. Pura ignorância. E ignorância na essência da palavra. É a prova mais cristalina de que nos tornamos merecedores de qualquer catástrofe eleitoral.

O sistema eleitoral ainda não permite dois presidentes da República. Ou seja, teremos de aceitar o que for decidido pelas urnas. Muito pior do que “engolir” Lula ou Bolsonaro é permanecer no limbo espiritual. Não aceitar o familiar, amigo ou parceiro de peladas somente porque o candidato dele é diferente do meu é o absurdo dos absurdos. É o mesmo que trabalhar para rachar amizades, afeições e companheirismos. Imperfeito por natureza, o ser humano atinge o ápice da ignorância quando, com qualquer idade, começa a se apresentar de forma tão perfeita que, mesmo sofrendo, desdenha das escolhas alheias. Como diz meu amigo João, o mineiro que só abandona as aulas de hidroginástica do mestre Dari para visitar Ribeirão Preto, “candidato cada um tem o seu”.

João é ainda mais enfático quando pede para que o deixem sofrer em paz. Faço minhas as palavras do amigo João. É como no futebol. Mais do que a emoção, vale a razão. Não devemos esquecer que foram as vacinas as responsáveis por salvar milhões de brasileiros durante a pandemia de Covid-19. O mesmo imunizante que Bolsonaro demonizou e milhares de bolsonaristas deixaram de tomar com medo de virar jacaré. Infelizmente, boa parte morreu antes de votar. Tenho saudades do tempo em que eu era “coxinha” ou da época em que os evangélicos queriam que a gente aceitasse Jesus e não o Bolsonaro. Que fazer? É o que temos. Queiramos ou não, seremos governados por um ou por outro. Portanto, votemos com a cabeça que pensa. A outra só serve para, figuradamente, aumentar a barriga de quem dela se utiliza. Tô fora!!!

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

Sair da versão mobile