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Após homofobia, casal de empresárias cria rede de apoio a gays

Foto/Divulgação

Nesta semana, circulou pelas redes sociais a publicação de uma empresa de doces do Rio de Janeiro em que as proprietárias são vítimas de homofobia por parte de uma cliente. Com a repercussão, elas receberam muitas mensagens solidárias, mas também de mais preconceito, e foram motivadas a criar uma rede de apoio a LGBTs.

“Nos sentimos no dever de acolher todos que viram em nós uma representação e continuar dando espaço, visibilidade para a causa. Está começando, estamos pensando, estruturando. Queremos postar relatos, fazer encontros, palestras, falar sobre tema, educar, mudar comportamentos, fazer com que todos reflitam, sejam empáticos. Queremos amar sem julgamentos, sem limitações, não queremos sofrer por ser quem somos”, explicou ao E+ Enayle Fontes, de 27 anos.

Foi ela quem atendeu, via mensagem, uma cliente que queria falar com o responsável pela Brigadelândia, empresa criada em março do ano passado por ela e pela noiva Natalí Ferreira, de 30 anos. A cliente tinha ido até o Brigadomóvel, carrinho no qual elas vendem os produtos no bairro Campos Elíseos, e tinha uma ‘sugestão’ para fazer.

“Fui lá! Os doces são divinos, a ‘moça’ que me atendeu foi muito simpática também, uma de cabelo curto. Mas fui com uma amiga e confesso que fiquei constrangida, minha amiga é da igreja e não ficou confortável em ser atendida por ela. Acabou ficando aborrecida comigo, pois já dei alguns doces de vocês para ela”, escreveu a cliente.

Enayle não entendeu o que foi relatado, mas confessou ao E+ que já esperava algum tipo de preconceito. “A Natalí sofre muito preconceito, mas em geral um preconceito velado. As pessoas nem sempre chegam ofendendo, às vezes só nos tratam mal, nos atendem com rispidez, olham com repulsa, fazem piada, são várias situações”, descreve.

Segundo ela, as duas já publicaram no Facebook casos de preconceito contra elas, “mas foi a primeira vez que a Brigadelândia foi alvo, nosso trabalho, nossa empresa”.

A cliente, então, continuou explicando seu ponto. “Olha, não quero ofender sua funcionária. Não tenho nada contra, mas como sua empresa trabalha com os mais diversos tipos de pessoas, não acho que passe uma boa imagem uma sapatão atendendo. Acho que deveria selecionar melhor quem vai ficar cara a cara com seus clientes”.

Como mostra a conversa, Enayle não quis contestar o que a pessoa disse, mas se manifestou em relação à mulher a qual a cliente se referia. “Quanto à Natalí, a moça (sem aspas) simpática que te atendeu, ela não é minha funcionária. É sócia igualitária da Brigadelândia, além de ser minha noiva e um ser humano maravilhoso. Sendo assim, ela continuará, sim, cara a cara com os clientes, pois esta é a cara da nossa empresa: diversidade, respeito, amor”, disse.

Três minutos depois, a cliente respondeu: “Esperar o que de duas mulecas, que não sabem nada da vida. Continuem vendendo doce mesmo, não vão conseguir nada além disso com essa escolha que fizeram”, e acrescentou que elas teriam uma cliente a menos. As empresárias compartilharam os prints da conversa no perfil da Brigadelândia, que até a publicação desta reportagem tinha 31 mil reações e mais de 8,6 mil compartilhamentos. Nos comentários, o casal recebeu mensagens de apoio e, embora tivessem perdido uma cliente, estavam ganhando outros mais.

Essa é a única publicação em rede social que sobreviveu. Ao longo da semana, o Facebook excluiu as fotos do perfil de cada uma delas e do Instagram da empresa. A justificativa é de não cumprimento das regras. “Nunca tivemos um post excluído, nem no nosso perfil pessoal nem no da Brigadelândia. Acredito que tenham denunciado demais, o que só prova que ainda existem muitas pessoas que, apesar de não exteriorizar, não querem nos ver na sociedade”, acredita Enayle. Motivadas por uma amiga envolvida na causa LGBT, elas criaram outro perfil no Instagram chamado Brigadeiro de Letrinhas.

O negócio – A Brigadelândia nasceu em março de 2017 depois que a Enayle foi demitida do último emprego após sofrer assédio. “Nesse período, a Natalí começou a sofrer preconceito no novo trabalho, a dona da loja alegava que o jeito que ela se vestia não passava seriedade para os clientes e que os que não concordavam com a orientação sexual dela não frequentariam mais a loja”, explicou Enayle.

A noiva dela já fazia doces e ela cresceu vendo a mãe fazer bolo para vender. “Inclusive foi assim que ela sustentou a mim e meus irmãos, é uma grande inspiração”, declara. Quando faziam faculdade, Enayle de Psicologia e Natalí de Economia, elas pensavam em trabalhar na área, mas depois dos episódios, resolveram montar o próprio negócio.

“Criamos a Brigadelândia para nos libertar e colocamos como meta fazê-la prosperar. Não vendemos doce só para ter uma renda extra, trabalhamos com o que gostamos e numa empresa pensada com muito amor”, diz.

Por conta do assédio que sofreu há dois anos e do processo que moveu contra o homem, Enayle não pensa em registrar a ocorrência atual na delegacia, embora Natalí tenha cogitado a ideia. “Até hoje esse processo está na minha vida, é algo pesado, me atrelou a este homem. Não quero passar por isso novamente. Depois que aquela revolta inicial passou e começamos a receber outras mensagens, a Natalí percebeu que o desgaste não valia a pena. Decidimos então, neste caso, dar amor a quem esta destilando ódio”, disse Enayle.

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