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Aquecimento vai prejudicar o sono dos seres humanos

Marcel Hartmann

As mudanças na temperatura causadas pelo aquecimento global vão inundar cidades, causar a extinção de muitos animais, espalhar doenças tropicais e, também, tirar o nosso sono. É o que mostra uma pesquisa publicada na semana passada por um pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Já é estabelecido na medicina que muito calor ou muito frio prejudicam o sono – aliás, você deve saber isso a cada verão e inverno enfrentados. Mas esta é a primeira vez em que surge um estudo que relaciona o aumento da temperatura causado pelo aquecimento global ao prejuízo no descanso noturno.

A pesquisa, publicada na semana passada no periódico Science Advances, também aponta que os mais atingidos serão populações de menor renda, por terem menos dinheiro para se proteger com ventiladores e ar-condicionado, e os idosos, que regulam menos a temperatura do corpo.

A hipótese veio após o doutorando em Ciência Política na Universidade da Califórnia e líder do estudo, Nick Obradovich, enfrentar, em outubro de 2015, uma onda de calor inesperada em San Diego. À época, ele e seus colegas passaram a dormir mal e ficar letárgicos ao longo do dia.

“San Diego tem uma temperatura temperada, então o isolamento das casas é ruim e muitos apartamentos baratos não têm ar-condicionado. Nossos amigos e colegas na universidade não dormiam direito, então o resultado eram pessoas letárgicas e mal-humoradas”, disse o pesquisador em entrevista ao E+.

Para chegar ao resultado, a equipe de Obradovich analisou questionários de 765 mil pessoas aplicados pelo Center of Disease Control entre 2002 e 2011, no qual os voluntários relatavam quantas noites de sono ruim enfrentaram no mês anterior. Em seguida, as informações foram cruzadas com os dados da temperatura média do mês. Resultado: os períodos com pior sono relatado coincidiam com épocas de maior calor.

Se o aquecimento global continuar da forma como está, os cientistas afirmam que, em 2050, seis noites por mês serão de sono ruim para cada cem norte-americanos. Já em 2099, o número saltaria para 14 noites de sono ruim – isto é, quase metade do mês com noites desagradáveis. No Brasil, diz Obradovich, pode ser ainda pior.

“Os Estados Unidos têm um clima temperado e são um país rico. Países mais pobres, como Brasil ou Índia, podem observar efeitos ainda maiores”, afirma o cientista.

Especialistas consultados pelo E+ afirmam que a hipótese faz sentido, já que duas variáveis influenciam diretamente o sono: iluminação e temperatura. “Baixas ou altas temperaturas, assim como iluminação no quarto, prejudicam o sono”, diz Lia Bittencourt, pneumologista coordenadora do Instituto do Sono, entidade ligada à Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa de São Paulo.

Ela explica que o cômodo deve ter entre 20ºC e 25ºC para adormecermos – caso contrário, nosso corpo faz de tudo para atingir essa condição. “O corpo humano regula isso de madrugada, se esparramando pela cama para liberar calor ou se encolhendo para contê-lo”, diz.

Ainda assim, especialistas em sono alegam que, apesar das conclusões de Obradovich serem interessantes, há outros vilões para o sono: a vida urbana.

“É o estilo de vida da sociedade moderna que rouba mais o sono. A gente dorme menos, tem mais estímulos, mais iluminação, mais computadores. O mundo favorece a privação de sono pelas várias atividades que acumulamos”, diz Rosa Hasan, coordenadora do Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de São Paulo.

Um sono de qualidade, segundo a National Sleep Foundation, entidade norte-americana especializada no assunto, envolve adormecer em até 30 minutos e acordar no máximo uma vez de madrugada. O calor do ambiente, no entanto, pode influenciar negativamente e fazer você demorar a adormecer ou acordar à noite.

O estudo de Obradovich tem algumas limitações: as informações sobre a qualidade do sono eram relatadas, e não controladas em laboratório. Além disso, ninguém sabe como será o mundo no fim do século. As previsões, portanto, ocorrem com base em cenários do presente.

No entanto, o cenário do presente justamente indica que a realidade do estudo está mais próxima de acontecer. Nesta quinta-feira, 1º, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, que une países do mundo inteiro para frear o aquecimento global. A partir de agora, o país não está mais comprometido em reduzir sua emissão de gases.

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