Aquiles entrou esbaforido. Mal colocou os pés no piso de taco, a sola do sapato anunciou a sua presença. Aurora, a esposa, que estava com os bofes invertidos há dois dias por conta das regras, preferiu o aconchego da cama a ter que recebê-lo. Se o gajo fizesse questão, que fosse até a amada.
O homem, conhecedor desses períodos conturbados, preferiu dar uma passadinha no lavabo. Esvaziou a bexiga e, em seguida, lavou demoradamente as mãos, talvez na vã tentativa de adiar o encontro com Aurora. Não que houvesse deixado de amá-la, mas aprendera que, naqueles dias, o melhor era manter certa distância para proteger a própria saúde mental, que já não era das melhores.
Saiu do banheiro e foi direto para a cozinha. Abriu a geladeira, pegou as sobras da pizza da noite anterior. Pensou em colocá-las no micro-ondas. Todavia, lembrou-se de que na frigideira ficaria mais saboroso. Diante da dúvida, devorou quase tudo frio mesmo. Até que não estava ruim. Encheu um copo com suco de laranja e, finalmente, rebateu o último naco da pizza gelada. Lambeu os beiços, ainda com vontade de mais um pedaço.
Ele voltou a abrir a geladeira. Um pedaço de bolo, que a mulher havia comprado na semana passada. Aquiles se questionou: “Por que ela ainda não o havia comido? Será que ela se esquecera?” Por impulso, o homem pegou o bolo e, já perto de devorá-lo, pensou que era mais prudente perguntar à esposa.
Dirigiu-se até o quarto. Olhou a mulher encolhida na cama. Olhos fechados, talvez Aurora estivesse dormindo. Melhor deixá-la descansar. No entanto, antes que Aquiles desse meia-volta, a esposa, sonolenta, resmungou algo que ele não entendeu.
— O quê, amor?
— Estou gorda!
— Claro que não está, minha flor.
— O que você está fazendo com o meu bolo na mão?
— Trouxe pra você.
— Aquiles, você quer me ver ainda mais gorda?
— Claro que não.
— Posso comer o seu bolo?
— O quê?
— O seu bolo.
— Você tá maluco? Quer comer o meu bolo? O bolo que comprei pra mim?
— Não, amor. Mas pensei que…
— Pensou o quê?
— Nada, mas…
— Pois coloque o meu bolo na geladeira, que vou comê-lo mais tarde.
— Mas você acabou de dizer que estava gorda.
— Aquiles, me poupe, se poupe e nos poupe!
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
Compre aqui
http://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho