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Argélia está fervendo, mas o povo faz tudo certo

Foto/Sputniknews

Centenas de milhares de pessoas nas ruas, manifestações populares festivas, presença de mulheres e crianças, nenhuma tentativa de invasão de prédio público e, consequentemente, nenhuma resposta das forças policiais. No fim do dia, eles até varrem o local e recolhem o lixo. A Argélia está em ebulição, e por enquanto sem influência estrangeira nem politiqueira. É provavelmente por isso que até agora conflitos não foram registrados.

A Argélia é o maior país do continente africano, também o maior da bacia do mediterrâneo, possui cerca de 40 milhões de habitantes, a segunda maior reserva de petróleo da África e uma das maiores de gás natural no Mundo, abastecendo amplamente a Europa. A estatal que gerencia seus recursos energéticos se chama Sonatrach e é a maior empresa da África. Ou seja, a Argélia é uma potência regional importante, tão do ponto de vista econômico quanto político.

Os argelinos enfrentaram uma longa guerra contra a França, na segunda metade dos anos 50, que culminou com a independência do país em 1962. Abdelaziz Bouteflika, o atual presidente da República objeto das manifestações, já estava presente na época. Foi ministro até o fim dos anos 70, mas perdeu força num governo cada vez mais controlado pelos militares, até sair da vida pública em 1987.

Iniciado como socialista de partido único, o regime se democratizou neste período. Mas os anos 90 foram uma dura década na Argélia. Grupos radicais pretendiam instaurar a “charia”, a lei islâmica, e uma guerra civil custou a vida de cerca de 200 mil pessoas.

Por seu papel na guerra da independência e pelo prestígio adquirido no Ministério das Relações Exteriores, Bouteflika foi o nome que conseguiu unir de novo a nação, a partir de seu retorno ao cenário e sua eleição à Presidência em 1999. Desde então, após modificar a constituição, para permitir-lhe concorrer quantas vezes quiser ao cargo supremo, Bouteflika governa o Argélia, tendo instalado quadros fieis nas rédeas tanto no Estado quanto nas Forças Armadas. Ele obteve seu quarto mandato em 2014, um ano depois de ter sofrido um violento AVC, que lhe deixou fortes sequelas.

Na verdade, não se sabe exatamente o estado físico de Bouteflika desde então. Seu mandato, que termina em 16 de abril próximo, foi marcado por uma situação absurda: quase invisível em público há seis anos, ele foi substituído por sua fotografia, instalada em poltronas nos compromissos oficiais. Os argelinos só o nomeiam de “O Quadro” desde então. No entanto, a força simbólica do homem que apaziguou o pais após a guerra civil ainda servia de espantalho aos descontentes. Na maior tradição do “ruim com ele, (muito) pior sem ele”, o sistema se mantinha, sempre lembrando a década de 90.

Mas os anos passam, e a população argelina vive uma explosão demográfica. Metade dos atuais habitantes tem menos de 25 anos. Não viveram aqueles anos de guerrilha, muito menos os da guerra da independência. Pretendem renovar seus dirigentes, modernizar o país e melhorar a distribuição da riqueza gerada pelos recursos energéticos.

A primavera árabe de 2011 foi uma leve brisa na Argélia, enquanto vizinhos eram varridos por movimentos que derrubavam governos, como na Tunísia, na Líbia, no Egito. No Iêmen, os conflitos ocorrem até hoje. Na Síria, Bashar al-Assad não hesitou em bombardear seus opositores, levando a uma guerra civil e uma crise humanitária que tem reflexos até hoje.

O temor de desembocar numa nova Síria arrefeceu os ânimos no interior, e até mesmo na capital Argel, mais irrequieta desde o quarto mandato de Bouteflika. Mas sua pretensão em buscar um quinto, oficializada no início do mês de março, foi a gota d´água. Hospitalizado na Suíça, o presidente está oficialmente de volta ao país desde segunda-feira. Mesmo que ninguém o tenha visto publicamente. E o governante anunciou, de um lado, que voltou atrás e não será candidato de novo, mas por outro lado que seu mandato atual seria prorrogado até a instauração de uma “conferência nacional” preparando eleições numa data indefinida.

Após alguns minutos de alegria, a rua argelina entendeu que o sistema estava se dando tempo para arrumar um novo candidato para se manter no poder. Novas manifestações foram vistas nesta terça-feira, mas o dia D será na próxima sexta-feira, dia tradicional de culto nos países muçulmanos. O que se espera é que a população possa continuar a se expressar num ambiente pacífico. Para isso, é essencial que as potências imperialistas não venham dar palpite na situação interna. Donald Trump, Vladimir Putin e Xi Jinping não são bem-vindos, especialmente diante do lamentável resultado de suas ingerências nos países da região.

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