Flávia Villela
Cerca de 86% das 8.956 armas apreendidas no Rio de Janeiro no ano passado não possuem identificação. São armamentos com número raspado ou que foram fabricados sem número. Os dados foram apresentados hoje (26) pela Secretaria Estadual de Segurança do Rio a deputados estaduais na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Armas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no centro da Capital Fluminense.
Cerca de 25% das armas com numeração estavam no registro do Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Mais de 30% pertenciam a pessoas físicas, quase 30% a pessoas jurídicas e 20% a funcionários da Segurança Pública. Ainda segundo o levantamento da secretaria, metade dos proprietários das armas apreendidas registradas no Rio tem anotação criminal. Cerca de 40% das apreensões das armas com número são fabricadas no Brasil e 60% fabricados no exterior.
Falta de dados
Os números não incluem os dados do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) que coleta informação da Polícia Civil, os da Polícia Federal nem do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). Por lei estadual, o laudo das armas da Polícia Civil é reservado.
A falta desses dados prejudica o controle de arma no estado, disse o secretário estadual de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que foi ouvido pelos integrantes da CPI. Ele defendeu o acesso a esses dados e a criação de um único banco de dados que envolvam todas as áreas de segurança pública.
Beltrame disse que, apesar da falta de investimento no setor, técnicos da secretaria desenvolveram um programa caseiro de controle interno de armas das polícias do estado, mas falta implantá-lo. “O projeto está pronto. Falta dinheiro para que possamos implantá-lo. [Com] em torno de R$ 5 mil ou R$ 6 mil consigo implantar em um batalhão”, disse.
As armas de porte (revólveres e pistolas) representam 50% das armas apreendidas e as pistolas são, na maioria, de fabricação nacional. Beltrame disse que houve aumento de 60% no número de apreensão de fuzis nos últimos oito anos e a maioria de fabricação estrangeira. Quase 100% das armas das marcas CZ e Glock, que não constavam no Sinarm e que foram rastreadas com auxílio das fábricas, são oriundas do Paraguai.
Armas desaparecidas
O presidente da CPI, Carlos Minc (PT) disse que cerca de 17,6 mil armas desapareceram de firmas de segurança entre 2005 a 2015, 640 armas desapareceram da Polícia Civil e 1.050 foram roubadas ou extraviadas da Polícia Militar nesse período. Os números foram apurados pela CPI. Ele criticou o que chamou de total descontrole por parte das autoridades competentes no monitoramento das armas dentro e fora das polícias.
“Os sistemas não falam entre si. A CPI exige controle. Até hoje os livros [de controle] são escritos à mão. Estamos muito preocupados, pois houve o tempo de vacas gordas e agora as vacas vão emagrecer ainda mais. A CPI tem muitas recomendações imediatas, como chip nas armas [como é feito] no Paraná, boletim de ocorrência eletrônico em Santa Catarina e armas para cada policial, como ocorre em São Paulo. O Rio está muito atrasado”.
A CPI foi criada há cerca de quatro meses. Uma CPI para o mesmo fim foi criada, anteriormente, em 2011. “Fizeram uma exposição hoje idêntica à de 2011. Se metade das recomendações da CPI de 2011 tivesse sido feita, a situação estaria muito menos dramática”, disse Minc ao garantir que a CPI não terá o mesmo fim da primeira e que a Alerj irá cobrar o “cumpra-se das medidas” ao governo do estado de seis em seis meses após o fim da comissão.
Na quinta-feira (28), a CPI vai ouvir o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins, para averiguar entre outros pontos o baixo número de inquéritos policiais militares e por que dos 68 policiais militares ligados a roubo de armas, apenas um foi denunciado pelo Ministério Público.
Ativistas
Ao final da CPI, Beltrame foi abordado pelo ativista de Diretos Humanos, Raull Santiago, 27 anos, do Coletivo de Comunicação Papo Reto. Ele disse ao secretário que vem sofrendo intimidações por parte de policiais da Unidade de Polícia Pacificadora do Complexo do Alemão, onde mora e trabalha. O secretário se comprometeu em tomar providências sobre os casos denunciados por Santiago. Um deles ocorreu na meia noite de ontem (25), quando um amigo morador da Bahia que o visitava foi abordado por três policiais, que o questionaram se conhecia o comunicador.
“Ele estava no mototáxi e o pararam apontando fuzil e ficaram perguntando se me conhecia, se trabalhava comigo. Acredito que por ele ter falado que trabalha com projeto social, queriam que essa informação chegasse até a mim”, disse. “O Beltrame falou que vai conversar conosco de novo e espero que de fato o secretário leve essa denúncia a sério, porque é uma série de denúncias que a gente vem fazendo e o risco só aumenta e a situação parece que só se agrava”.
As intimidações aos integrantes do coletivo ocorrem também durante o dia. “Falam, ‘cuidado com a bala perdida’, perguntam ‘não vai tirar foto de policial hoje?’”, disse. Santiago diz que teme por sua vida, mas que não pretende sair da comunidade onde vive. “Acredito que é uma situação grave, mas também que precisamos ficar ali, que temos que trabalhar, tirar do foco que não se trata apenas de mim, mas de um monte de pessoas expondo essa situação. Não é uma bandeira contra a polícia e a favor do tráfico de drogas”.
Violência policial
O Coletivo Papo Reto é internacionalmente conhecido por denunciar violações de direitos humanos institucionais por parte da polícia nas comunidades pobres do Rio. Santiago voltou recentemente de uma viagem aos Estados Unidos em que abordou a violência policial contra ativistas e entidades de direitos humanos.
“Nos últimos cinco anos de pacificação no Complexo do Alemão, a principal política pública para a favela tem sido através da segurança pública. O Estado olha para complexo pela mira de um fuzil de um policial. Vivemos uma lógica de guerra, de preconceitos institucionais”, disse. “E o Papo Reto denuncia essa situação, pois acreditamos que denunciar os maus policiais para o próprio Estado é uma forma de contribuir para uma realidade melhor. É injusto sermos perseguidos por estarmos denunciando violações”.
Agência Brasil