O que a bancada ruralista e a prefeitura de São Paulo têm em comum? Os dois põem a culpa nas condições naturais ou no governo federal. Os ruralistas aproveitaram a presença da ministra Marina Silva na Comissão de Agricultura da Câmara para defender o agronegócio e jogar a culpa das queimadas na falta de planejamento do Ministério do Meio Ambiente. É a nova versão de ?o problema é a falta de chuva? para não olhar para o próprio umbigo.
Já no caso do apagão em São Paulo, a Enel e o prefeito Ricardo Nunes tentam culpar as árvores que caíram nos fios. Pior, mesmo sendo difícil para Nunes fugir da responsabilidade de ter deixado milhares de paulistanos no escuro, as pesquisas eleitorais mostram que ele está conseguindo uma redução de danos e continua como favorito.
Mas é inegável que o tema vai muito além da disputa eleitoral. Como todo apagão, ele coloca em questão – pela enésima vez – o modelo de concessão pública para corporações privadas, com lucros garantidos, serviços mal fiscalizados e de baixa qualidade. E mesmo que esse modelo esteja falido, ninguém tem interesse ou condições de colocá-lo à prova.
O governador Tarcísio de Freitas tenta meramente blindar seu aliado na eleição municipal ao mandar às favas o neoliberalismo e culpar a Enel, a empresa concessionária. O TCU está mais preocupado em passar o recibo para as instâncias federais. O governo federal tenta aproveitar a crise para recuperar o controle da ANEEL, a agência regulatória nacional. E Guilherme Boulos tenta vencer uma eleição e não pode se dar ao luxo de perder o voto do paulistano médio.
Ou seja, ninguém está disposto a enfrentar o problema principal. Com isso, alerta o engenheiro Ikaro Chaves entrevistado pelo Brasil de Fato, perde-se a oportunidade de enfraquecer o privatismo e apontar como saída a criação de uma empresa federal de distribuição de energia elétrica.