Artur não substituíra a máquina de fotografar pelo celular. Achava a primeira muito melhor que o segundo e concluíra que atitudes como a dele contribuiriam para a verdadeira eternização de momentos através das imagens impressas em papel. E se preocupava porque, na sua opinião, estávamos caminhando para uma geração sem fotografias. Afinal de contas, quanto mais se tira foto pelo celular e menos se fixa no papel, maior o risco. Celulares estragam, informações se perdem e, na maioria das vezes, não estão na nuvem ou num cartão de memória. Aí já era, perde-se tudo.
No papel é diferente. Faz-se um álbum, guarda-se numa gaveta e, mesmo que passemos anos sem rever, a imagem está lá, garantida.
Pensando desta forma e lutando muito, Artur fez-se respeitado fotógrafo na pequena cidade em que residia. E, assim, trocou pelo estúdio e escritório caprichosamente montados numa galeria comercial da região central, sua profissão anterior de barman. Loja com mezanino, onde sua criatividade construía cenários para fotos de gestantes, recém-nascidos, fotos de crianças com as quais sempre tivera muita paciência. A moda agora eram as fotos corporativas e os chás-revelação, que demandavam sua saída do estúdio, assim como fazia em batizados e casamentos. Houvesse a inauguração de uma loja, uma festa religiosa ou qualquer evento político, por exemplo, Artur era o fotógrafo oficial, inclusive com colaboração para o jornal impresso local.
A paixão pela fotografia convivera com o preparo de drinques e, por um período, foi por este substituída. É verdade que só enveredou pelo caminho das bebidas porque, de princípio, a fotografia não dera certo. Ademais, sentiu-se traído num episódio que lhe abalou a vocação e uma amizade.
Artur tinha um amigo que, se não era de infância, estava bem perto dela. Seu nome era Washington Júnior, filho de um industrial local. No fim da adolescência, Washington, bem relacionado e rico, sabendo dos talentos fotográficos de Artur, convidou-lhe para o projeto de montarem uma revista sobre um tema que, então, começara a entrar em voga: ecologia e meio ambiente. Ele topou na hora.
A revista divulgaria artigos de pessoas ligadas ao assunto, entremeados por textos de Washington e as fotografias de Artur. O projeto era realmente atraente e, logo, havia anunciantes e assinantes interessados. Era um dos propósitos chamar a atenção para a riqueza do meio ambiente no entorno da pequena cidade e cada edição traria na capa a foto de um ponto pitoresco e importante, além das imagens internas. Grutas, bosques, riachos, cachoeiras, fauna, montanhas: tudo pelas lentes de Artur, sempre apontadas para o ângulo certo, sob luz impecável. Deu trabalho para preparar o primeiro número e o rapaz era um craque.
Saiu a primeira edição, mas, quando recebeu os primeiros exemplares da gráfica, Artur reparou que nenhuma de suas fotos era creditada. E que seu nome saíra apenas na lista de colaboradores, e por último. Achou estranho e questionou Washington Júnior, que ficou bravo:
– Deixa de ser egoísta, cara, isso é um projeto coletivo. Você devia estar feliz por ter suas imagens eternizadas e divulgadas por aí!
O autor do discurso do “projeto coletivo” era o mesmo que tinha seu nome destacado na primeira página, sob o título da revista, na frase “dirigida e coordenada por Washington Júnior”.
Ainda que houvesse passado por essa decepção, Artur ainda “colaborou” com mais três números da revista, até que, numa discussão, mandou Washington Júnior às favas e que fosse procurar outro fotógrafo. Ele até o fez, mas a revista jamais exibiu fotos tão bonitas, e acabou durando só mais poucos números.
Artur ficara tão triste com o episódio que, depois de fazer um curso em São Paulo, voltou para a cidade natal especialista em drinques, o que foi, naquele tempo, uma grande novidade. Logo foi convidado para trabalhar em um barzinho descolado e, nos dias de folga, ainda dava expediente em diversas festas preparando mais de trinta receitas que tinha de memória. Fez sucesso na área.
Mas os anos foram passando, ele se cansando de drinques, a moda caindo, e ele voltou à fotografia. Até que deu muito certo.
Washington Júnior enveredara por várias áreas, mas sua vocação principal era a de herdeiro. Uma certa ocasião, meteu-se com artes plásticas – virou pintor e escultor. Resolveu preparar um livro-catálogo, que lançaria numa exposição de relativa visibilidade, com uma coletânea de obras e textos, sempre laudatórios, sobre sua pessoa e sua arte.
E, depois de alguns anos de uma relação fria e distante, Artur se surpreendeu quando recebeu, no celular, uma mensagem de Washington. Errara com o amigo no passado e, agora, queria “dar-lhe uma oportunidade” de participar do evento de lançamento de seu catálogo, e que ele seria a pessoa mais indicada para tanto. Que ele cobrasse o quanto quisesse, e não aceitaria resposta negativa.
Artur pensou bem e resolveu guardar no bolso a velha mágoa. Afinal, era uma oportunidade de estar entre os que faziam a cidade acontecer, eternizar em imagens os acontecimentos do evento e, quem sabe, seria depois chamado para outros trabalhos, com um público mais de elite do que estava, até então, acostumado.
Colocou-se, pois, à disposição do antigo amigo. Respondeu que aceitava o trabalho, que faria com o maior capricho e, se precisasse, poderia indicar um outro profissional que providenciaria o registro em vídeo a par de seu trabalho de fotógrafo oficial da noite.
Foi aí que Washington respondeu-lhe com uma mensagem de áudio:
– Não é nada disso, seu burro. Eu já mandei vir um fotógrafo de verdade do Rio de Janeiro para o meu evento. Quero apenas que você prepare aquelas bebidas, mais finas do que as que está acostumado. E nada de birita mixuruca, hein! Quero tudo do bom e do melhor. Vai ficar lá de oito da noite às três da manhã à disposição dos meus convidados. Sugira aí umas vinte receitas para eu escolher umas dez para o cardápio e providenciar os ingredientes. Ah, e invente um drinque com meu nome, que leve prosecco, muito elegante e com muitas bolhas!