Notibras

Assediada na estrada, saída é pular na escuridão

O motorista encostou de repente. Tive que abandonar meus devaneios. Desligando o motor, voltou-se para mim com olhos miúdos de porco e aquelas mãos com dedos nodosos, grossos e curtos. Não soube se o que ele soltou era um arroto ou um riso. E veio se aproximando, cada vez mais perto.

Abracei a minha sacolinha e cheguei o mais próximo que pude da porta. Ajeitei meu vestido, que eu costurei à mão, já tão surrado, ainda assim minha melhor roupa, numa tentativa de tapar meus joelhos. Lá fora, a noite já ia alta.

Ainda era cedo para pensar se mais uma vez eu tinha tomado a atitude errada. Uma hora dessas, o pai e os irmãos já teriam andado pra cima e pra baixo, perguntando aos poucos vizinhos por mim, sem entender que eu já estava bem longe. Eu começava a perceber o tamanho do problema em que tinha me metido. Na ânsia de fugir de um inferno, eu caíra em outro.

Pesei minhas possibilidades, não havia arriscado tudo para acabar nas mãos dessa coisa asquerosa que vinha babando para cima de mim. Mas lá fora estava tão escuro… Sozinha, fugindo de casa com a roupa do corpo, sem um cruzeiro no bolso, quais as minhas chances? Porém, naquela boleia, eu tinha certeza do meu
destino.

Não pensei duas vezes. Assim que aquela mão chegou, ávida em minha coxa, já puxando meu vestido pra cima, virei toda sorridente. Quando ele pensou que eu ia fazer um carinho naquela careca desdentada, meti os dedos em seus olhos suínos e, dando um arranco na maçaneta, pulei na escuridão.

*PEREIRA, Ilma. O que os quilômetros não te contaram. Belo Horizonte: Editora independente, 2024.

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