O grande candidato ao hit do carnaval de Salvador deste ano é uma mistura do tradicional pagodão baiano com técnicas eletrônicas: Elas Gostam (Popa da Bunda), do grupo Attooxxa (ou ÀTTØØXXÁ, como eles preferem), com participação de Psirico. A banda do produtor Rafa Dias, expoente de um grupo contemporâneo de músicos, artistas, MCs e produtores vivamente criativos da Bahia, está se apresentando em São Paulo.
Músicos e produtores de Salvador com quem a reportagem falou nos últimos dias evitam usar a palavra “cena”, porque como em qualquer momento como esse não há um arranjo orgânico, mas é impossível não notar a grande quantidade de nomes fazendo música alternativa de qualidade com sotaque baiano.
Frutos de um trabalho que envolve muita gente e já ocorre há mais de dez anos, com a proliferação natural da internet e a diversa qualidade musical dos projetos, eles aos poucos rompem o underground soteropolitano para ganhar as casas de shows e praças dos outros grandes centros urbanos do Brasil.
Dois elementos parecem reunir nomes diversos desse espectro musical que resiste a definições tradicionais de gêneros musicais: música eletrônica e cultura periférica de Salvador.
O BaianaSystem é o nome citado por todos como uma espécie de farol (mas não necessariamente pioneiro): na estrada há cerca de 10 anos, o grupo consolidou sua estética para se firmar entre os melhores show do País.
Mas eles são apenas a ponta do iceberg de uma movimentação que há pelo menos duas décadas existe no subterrâneo da cidade, mas que aos poucos ganha o Brasil, com as possibilidades de divulgação do século 21 e editais de patrocínio, governamentais e privados.
O Attoxxa surgiu no início da década depois que o produtor Rafa Dias, de 27 anos, já vinha experimentando ao misturar música eletrônica com batidas percussivas regionais. “Muita gente vinha fazendo isso com o ghettotech, o kuduro, a cumbia eletrônica. Minha intenção era fazer o arrocha com dubstep, um projeto para pista, mas o tempo passou e o pagodão prevaleceu”, explica sobre o som da banda, praticamente indefinível, que busca lá fora referências que vão de Major Lazer a Buraka Som Sistema.
“A indústria pesou demais na Bahia nos anos 2000, a galera meio que encaixotou os ritmos”, diz. “Mas sempre rolou o movimento de experimentação. Tinha menos público, a internet não tinha chegado, houve pouca comunicação.”
O produtor Alex Pinto está nessa estrada também pelo menos desde 2007, com a Orquestra Rumpilezz, e foi produtor do BaianaSystem por períodos entre 2010 e 2017. “A fase da música mais industrial, o axé dos anos 1990, ficou muito na crista da onda. Os grupos com menos favorecimento econômico não conseguiam aparecer: Lampirônicos, Scambo, Adão Negro. Depois veio essa galera em que o Baiana virou o grande artista que conseguiu quebrar as barreiras importantes, chegar a São Paulo, aos Sescs, Virada Cultural, Lollapalooza”, explica.
Na opinião dele, houve uma profissionalização na produção de shows, e editais do governo estadual e de empresas, como o Conexão Vivo, ajudaram a estabelecer novas oportunidades.
“Mas não existe uma liga: são movimentos que as pessoas fazem. Existem artistas que compartilham de informação musical, mas não existe um pensamento estratégico”, afirma.
A conexão com a cultura hip-hop é outro ponto de interesse comum entre os músicos dessa “pseudocena”, como denomina outro de seus expoentes, o rapper Vandal de Verdade. Nome conhecido em Salvador e também no cenário hip-hop de São Paulo, ele tem se apresentado em diversos shows do BaianaSystem e tem relação próxima com Rafa Dias, do Attooxxa, que produziu várias faixas do seu primeiro disco, TIPOLAZVEGAZH, de 2015.
Três novas faixas de Vandal foram lançadas no dia 1.º de janeiro, e ele diz que um novo disco vem aí também em 2018.
“Por muito tempo a música alternativa penou e penou em Salvador, e agora ela está conseguindo alcançar novos nichos, mas não existe uma cena formada”, explica. “Existem nomes que estão lutando nas trincheiras, como eu, para que isso aconteça. Somos uma cidade pobre. Não temos dinheiro necessário para fazer com que isso tenha uma efervescência mais concentrada, que ganhe proporções maiores. O primeiro momento é entender o que se quer fazer”, opina – caso contrário, a coisa toda pode cair num “oba-oba” que poderia recriar um novo axé. “Não é o momento para isso.”
Para ele, a música eletrônica está presente sim, “mas a cultura periférica não está presente, ele está sendo usada”. Apesar de se incomodar um pouco com isso – Vandal nasceu no bairro da Cidade Nova, “gueto autêntico” -, ele diz reconhecer a necessidade de mercado, mas acredita que o conhecimento da história das produções independentes na cidade é fundamental para que as iniciativas se estabeleçam e possam, enfim, formar uma cena.
Não é novidade ver a Bahia na vanguarda musical do Brasil – ver isso acontecer de novo, porém, não deixa de ser animador.