“Foi um fruto que caiu da árvore
Foi alguém que passou na estrada
Foi um pássaro
Foi a história de uma viagem que pousou em mim
Foi uma hora de ausência em que voltei a mim mesmo”
(Trecho do poema “A caminho do frio”, Augusto Frederico Schmidt, 1964)
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Procuro perdoar tuas falhas, já que te admiro profundamente como homem que amava o Brasil e como poeta. Cheio de contradições e defeitos, mas quem não os tem? Que grande ou pequeno ser, dentre todos os outros seres, está isento de erros ao experimentar as tentadoras e ilusórias encruzilhadas da vida? Talvez tudo o que fizeste fosse para a realização de um sonho íntimo, a consecução de um ideal. Só não sei se mais para ti mesmo ou para os outros.
Como empresário e rico homem de negócios, apoiastes os ventos golpistas que culminaram naquele fatídico dia de 1964. Não recordo de ter visto elogios rasgados à democracia, ou críticas ferrenhas às ameaças que ela sofreria nos anos seguintes. Ainda estavas na terra, eras influente e atento quando, em junho de 64, os direitos políticos do então Senador JK, teu íntimo amigo, foram cassados pelo regime e ele embarcou para a Europa, ainda na esperança de que a tirania e a violência não durassem e ele voltasse candidato nas eleições diretas previstas para 65.
É um tanto difícil analisar comportamentos de homens, há tanto desaparecidos, sob um contexto contemporâneo, quando sabemos os rumos que a história tomou. Os positivistas que depuseram o imperador poderiam prever a fraqueza de Deodoro e a tirania de Floriano Peixoto? O que teria passado na mente de um revolucionário em 1930, se soubesse das atrocidades que o Estado Novo cometeria? Haveria, em teu íntimo, receios sinceros pelos destinos do Brasil e sua posição no mundo quando articulações militares bem pouco republicanas sacudiram o cenário político brasileiro durante os estertores do governo Goulart?
Tais respostas dependem, hoje, das interpretações dos professores de história, dos cientistas políticos, dos estudiosos sobre o tema em geral. Poucas são as testemunhas ainda vivas daquelas horas iniciais e decisivas.
Ainda assim, poeta, essa dúvida me assalta. Assalta-me também a desconfiança em teu gênio e em tua sensibilidade de ser humano. Poeta, fostes inquestionavelmente grande. Mesmo como político – sem jamais deter um mandato popular – fostes importante para o Brasil e colocou-nos no debate entre os grandes do mundo. Mas, como democrata, creio que falhastes naquela ocasião.
Isto não te macula como poeta, asseguro. E, pensando bem, não deveria macular tua imagem pessoal, tantos anos faz que já repousas no jazigo 39 da quadra 1.929 do cemitério de São João Batista – em cuja beira eu estive naquela tarde, quando a maior dúvida da minha vida assolava meu cinzento coração e, desesperado, resolvi ir fazer uma prece no lugar em que tu dormias.
Mas, pertencendo à história, estais sujeito ao julgamento universal de teus pósteros, e da Glória Eterna hás de te conformar se alguém te ler atravessadamente ao saber da tua proximidade com o marechal-presidente vindo do Ceará, com o qual tinhas aquelas conversas cordiais e conferências que duravam horas.
Conhecendo teus erros, ainda assim recito para meus companheiros os teus versos eternos:
“Chegará o dia do último poema
E o último poema sairá para o tempo tranquilo e natural
Sem nenhuma melancolia, como se fosse o primeiro nascido
Do espírito inquieto.”
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