Quando a violência no Rio entra na pauta nacional, um filme como Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho, ganha novo relevo. No quadro do É Tudo Verdade, o documentário será exibido nesta quinta, 19, às 15h, no Sesc 24 de Maio.
O título técnico refere-se a esse limbo jurídico no qual se perdem os verdadeiros números da violência policial carioca. Define homicídios da polícia não contabilizados sob alegação de que foram reações em legítima defesa. O filme mostra que não é bem assim. Elege casos tristemente famosos, como a “chacina de Costa Barros”, em que cinco rapazes foram confundidos com ladrões de carga. Em outra cena, uma gravação de celular flagra um policial pondo a arma na mão de um jovem já morto, para simular que ele havia disparado contra a tropa.
São gravadas cenas com as mães indignadas e inconsoláveis pelos filhos assassinados. E também algumas sequências de tribunal, quando policiais e seus advogados tentam se defender das acusações. Naquele caso em que a arma foi “plantada” na mão da vítima, o policial diz que o fez porque o revólver apresentava defeito e poderia disparar, ferindo alguém. Surrealista.
O filme mostra como os alvos preferenciais se encontram entre a população pobre e negra do Rio. A pretexto do combate ao tráfico, toda uma parcela da população e bairros inteiros da cidade são criminalizados. E os “autos de resistência” servem para que grande parte dos processos seja arquivada.
Natasha é socióloga, com mestrado em violência urbana. Lula é um dos grandes fotógrafos do cinema brasileiro. A parceria produz um filme consistente do ponto de vista conceitual e potente em termos de imagem. Não privilegia a palavra de especialistas, mas a de sobreviventes de chacinas e seus parentes. Ou seja, aqueles que sofrem diretamente com a violência policial tornada impune por um dispositivo jurídico.
Construído ao longo de dez anos de trabalho, Auto de Resistência incorpora uma cena de passagem, mas muito significativa. É quando a vereadora Marielle Franco aparece em protesto, ao lado de mães de vítimas da violência policial. Até agora, passado mais de um mês, o assassinato de Marielle, uma política vinda da favela e militante pelos direitos humanos, continua sem solução.