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Entrevista/Claudio Carvalho

Autor que lembra discurso de Fidel é uma pérola com todas as letras e estilos

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Autor/Imagem:
Cecília Baumann - Foto Acervo Pessoal

Feche os olhos e tente buscar no fundo da mente nomes vitoriosos da nossa literatura – romances, crônicas, poemas. Pode ser que, lá no cantinho, não necessariamente tão escondido, esteja o de Claudio Carvalho. Sua bagagem deixa até gente lá da ABL de boca aberta. Tem feitos, claro, como todo mortal. Mas sua virtude em escrever, se sobressai entre qualquer outra.

Na entrevista a seguir, didática e com tons hilários, Você, se não conhece seu trabalho, por cento vai se deslumbrar. Vamos lá. Role a tela e leia.

Fale um pouco sobre você, seu nome (se quiser, pode falar apenas o artístico), onde nasceu, onde mora, sobre sua trajetória como escritor.

Meu nome é Claudio Carvalho. Tem uns outros nomes no meio, mas, uso assim. Nasci em Niterói, que já foi capital, e hoje é uma cidade satélite do Rio de Janeiro. Moro em Laranjeiras, bairro da cidade do Rio de Janeiro, onde também trabalho no Instituto Nacional de Educação de Surdos, como professor de Ensino Superior, na área de Linguística e Letras, na Faculdade de Pedagogia.

Escrevo desde um tempo em que já não lembro mais. Comecei como um leitor voraz. Trabalho com Literatura e Produção Textual. Publiquei livros de poemas, livros de contos, três romances, um livro para crianças, dois livros acadêmicos, artigos… Todos igualmente sem sucesso de público e sem maiores repercussões na crítica.

Mas, pode-se dizer que vivo de Literatura: ensino, pesquisa, extensão, publicações, saraus… Meu último trabalho publicado é 365-D: a corda esticada entre o vazio e a coisa amada (publicado pelo Clube dos Autores).

Está em processo de confecção um livro com sonetos, Cem, Sem, Zen Sonetos, contratado pela Mondru Editora. Tenho tanto livros por editoras profissionais quanto livros independentes. Participo de saraus literários, faço palestras e atualmente realizo uma Oficina de Criação Literária, sob a forma de curso de extensão.

Como a escrita surgiu na sua vida?

Este é um mistério também pra mim. Meu pai lia. E gostava de coisas artísticas. Mas, éramos uma família pobre de um subúrbio de Niterói. Acho que antes de ser um escritor, sou mesmo um apaixonado leitor. Escrevo apenas para preencher lacunas naquilo que leio. Na escola, as professoras gostavam do que eu escrevia. Mas, juro que não sabia que uma pessoa pudesse ser “escritor”. Até hoje acho isso meio estranho.

Comecei a “virar escritor” acho que escrevendo para teatro. Escrevi umas tantas peças, para público adulto e para crianças. Amigos generosos resolveram montar. De fato, já que queríamos encenar, alguém tinha que escrever, né? Dos textos de teatro, através do teatro, conheci músicos que começaram a me pedir letras. Virei letrista. E comecei a achar que representar e decorar textos dos outros era chato pra caramba. Daí veio a poesia, meu gênero mais forte e pelo qual tenho maior interesse. Literatura em radical estado de concentração, sem blá, blá, blá e sem contaminação da “linguagem natural”, das ciências, das filosofias e das retóricas todas.

De onde vem a inspiração para a construção dos seus textos?

Não tenho inspirações. Somente algumas pirações. Escrevo de forma meio compulsiva. Se eu pudesse evitar, não escreveria.

Como a sua formação ou sua história de vida interferem no seu processo de escrita?

Minha “formação” (graduação em História, Mestrado e Doutorado em Letras Vernáculas, pós-doc na área dos Estudos Culturais) ajudou muito, pois, tenho uma ampla formação em Humanidades, mas, atrapalhou um outro tanto, quando me deixei contaminar por discursos científicos, filosóficos e comunicacionais. Custei a compreender que a escrita e a leitura literárias são outra coisa. Minha história de vida é minha escrita. E minhas leituras.

Quais são os seus livros favoritos?

Grande Sertão: Veredas (Rosa). Poesia é uma coisa meio avulsa, não tem bem essa coisa de livro. Então, eu gosto do Maiakóvski, em tradução do Boris Schnaiderman e dos irmãos Campos. Eu amo dois heterônimos do Pessoa: o engenheiro Álvaro de Campos e o camponês Alberto Caeiro. Eu deliro com quase tudo da Hilda Hilst, menos Lory Lamby, que é bem ruinzinho, mas, tenho um livro de poemas dela predileto, Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. Dentro dele tenho fascinação pela Ode Descontínua (etc.) de Ariana para Dionísio. Também curto a prosa de Hilda, especialmente, Com Meus Olhos de Cão, Tu não te moves de ti e a Obscena Senhora D. Gosto dos contos do Jorge Luís Borges, sem um livro específico. Não curto os poemas dele. O triste fim de Policarpo Quaresma, do Lima, é um aprendizado de Brasil inesquecível. O Machadão é meu ídolo: com destaque para o Brás Cubas. A Clarice de Água Viva e GH me fascina. Não curto A Hora da Estrela e muito menos Uma Aprendizagem… O Lavoura Arcaica, do Raduan é qualquer coisa especial, especialíssima. Bandeira aqui em casa é quase uma divindade; Estrela da Vida Inteira é da vida inteira mesmo. O papo é livro, né? Não exatamente literatura. Então, eu adoro o Escuta Zé Ninguém, do Reich. Ah, e eu adoro ler, ou adorava, ler Freud.

O Eu, do Augusto dos Anjos… Eu já soube muitos poemas dele de cor. Atualmente, estou lutando para publicar uma autora inédita, Luz Marina Cavalcanti, nada modernista. Mas, reconheço que amo muitos poemas da Luz. Este é o nome de batismo dela mesmo e será o nome de seu livro. A cadência da Luz me lembra o Augusto. Tão confortável.

E Shakespeare, claro, A tempestade e O Rei Lear são meus favoritos, a despeito de reconhecer o perfeito artesanato de Hamlet.

Eu, com certeza, esqueci de alguma coisa. E, pra quem acha que sou “facinho, facinho”, eu nem te conto a quantidade de autores importantes e canônicos que eu acho intragáveis, alguns mesmo a despeito de sua reconhecida destreza literária. Por outro lado, eu gosto de algumas coisas que poderiam ser consideradas de mal gosto. Nem te falo. Se você me perguntar essa mesma pergunta em outro dia, terá possivelmente outras respostas.

Quais são seus autores favoritos?

Pessoa, Bandeira, Hilda, Rosa, Lima Barreto, Clarice, Maiakóvski, Machado, Brecht, Beckett, Shakespeare não necessariamente nessa ordem. Faço aqui um parêntese, importante pra mim. Como disse certa vez Gilberto Gil, “o Brasil é o país da canção”. Menciono aqui a relevante influência que o samba carioca tem sobre mim: Noel Rosa, Cartola, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro… Menciono ainda as letras de Sérgio Sampaio, Raul Seixas e Paulo Coelho, Walter Franco, Chico Buarque, Taiguara, Renato Teixeira e tantos outros. No plano internacional, destaco: Bob Dylan, Leonard Cohen, Rogerinho Águas (Roger Waters).

O que é mais importante no seu processo de escrita? A inspiração ou a concentração? Precisa esperar pela inspiração chegar ou a escrita é um hábito constante?

Nem inspiração e nem concentração. Falta, lacuna, vazio… eu diria.

Qual é o tema mais presente nos seus escritos? E por que você escolheu esse assunto?

Não tenho temas. Se tenho, não tenho consciência deles. Devo ter, algum leitor precisa me dizer!

Para você, qual é o objetivo da literatura?

Em geral, o objetivo da escrita e da leitura literária é salvar o homem da objetividade, da escravidão e do tédio.

Você está trabalhando em algum projeto neste momento?

Trabalho para publicar o livro da Luz Marina Cavalcanti. Estou publicando um livro como resultado da Oficina Palavra escrita, História e Prática, um curso de extensão do INES. O nome da coletânea é “Ninguém Escreve por Mim – textos da Oficina A Palavra Escrita: História e Prática”. São textos ótimos!
Meu trabalho literário implica também em interagir com o de outros escritores, a exemplo do posfácio que assinei em “O Setênio”, de Edna Domenica.

Eu sempre estou escrevendo e publicando no Instagram (@claudiocarvalhoautor). Assim é com cursos e com prosa ou poesia. Quando vejo que posso juntar, eu junto. E nasce um livro, artigo, curso… Portanto, estou sempre trabalhando sem ser exatamente em algum projeto. A-do-ro escrever e dar aulas por encomenda.

Quais livros formaram quem você é hoje? O José Seabra sempre cita Camilo Castelo Branco como seu escritor predileto, o Daniel Marchi tem fascinação pelo Augusto Frederico Schmidt, e o Eduardo Martínez aponta Machado de Assis como a sua maior referência literária. Você também deve ter as suas preferências. Quem são? E há algum ou alguns escritores e poetas contemporâneos que você queira citar?

Acima, já falei de várias predileções. Além do GSV, do Rosa; do Estrela da Vida Inteira, do Bandeira e da Obra Poética, do Pessoa (Edição Aguilar), eu amo o Zen. Adoro haikai: Bashô e outros. Curto o Tao Te King. E livros místicos e religiosos de diversas tradições… Não tenho religião, mas, sou uma alma mística e fantasiosa.

Os contemporâneos Leminski e Adélia Prado são muito queridos. Tenho as obras completas dos dois. Meu lado hippie ama muita coisa do Caio Fernando Abreu. Meu predileto, por motivos geracionais afetivos, é mesmo Morangos Mofados. Eu sabia o Diálogo da abertura de cor. Mas eu acho que o livro do Caio de que eu gosto mais é Os Dragões não conhecem o Paraíso. Ana sem Blues, aliás, o Caio fez pra mim. Meu lado cínico ama Campos de Carvalho, especialmente, A Lua Vem da Ásia: aos 16 anos eu também deveria ter matado meu professor de lógica…

Gostaria ainda de mencionar meus professores na UFRJ, Antonio Carlos Secchin e Godofredo de Oliveira Neto, excelentes poeta e romancista, respectivamente. Meu quase contemporâneo, lá na Letras, Marcus Vinicius Quiroga, tricolor como eu e que se foi tão cedo, deixando uma imensa lacuna na boa poesia carioca. E meus queridos amigos, Estaine Alencar e Luz Marina Cavalcanti. Esses dois últimos, eu fico com uma certa dúvida se posso estar confundindo o quanto eu gosto deles e o quanto eu gosto da arte literária que eles produzem. Mas, eu tenho quase certeza que não, porque, tenho outros amigos escritores que eu gosto tanto quanto os dois pessoalmente, que até escrevem bem, mas, eu não destacaria aqui como excelentes. Ah, conheço, pelo menos, duas grandes promessas: o Cassiano Silveira e a Tatiane da Silva Lima. Sem falsa modéstia, na Oficina que desenvolvo, vários escritores que batem um bolão. Mas, esses dois estão prontinhos para entrar em campo. O Cassiano já tem uma pequena estrada. A Tatiane acaba de me dar a honra de ler seu inédito romance “As pinturas de Lambaia”. Guardem esses nomes.

Como é ser escritor hoje em dia?

Esquisito. Especialmente por causa do fenômeno da Comunicação Social. E do capitalismo, este desastre.

Qual a sua avaliação sobre o Café Literário, a nova editoria do Notibras?

Eu amo café e literatura. Parabéns pela junção. Ainda estou chegando por aqui. A primeira impressão é muito boa. Prometo me informar melhor.

14) Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de falar?

Eu já falei demais. Se quiserem editar ou não acharem de interesse publicar, fiquem à vontade. Eu me diverti muitíssimo em fazer. Obrigado.

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