Lá estava o Santana no balcão da delegacia, que naquele lia dia parecia calma. Quase não havia público, que, muitas vezes, aparece do nada. “São como baratas!”, esbravejava o Santana de vez em quando em alguma mesa de bar, mesmo se estivesse sozinho. “São como baratas! Aparecem sem avisar e saem de locais improváveis!”
Pois foi justamente num desses dias aparentemente tranquilos que surgiu um rapaz insuspeito. Não que ele não tivesse culpa de alguma coisa, o Santana poderia muito bem pensar. O dito rapaz se aproximou timidamente do balcão, bem em frente ao Santana. “Por que não escolheu o Marques?”, ele pensou, já que não gostava muito de trabalhar, ainda mais quando havia outros policiais que poderiam fazê-lo no seu lugar.
No entanto, o rapaz, agora bem à sua frente, estacou e perguntou se poderia sentar. O Santana mal o olhou, torceu a cara de poucos amigos e, com um gesto de cabeça, indicou a cadeira à sua frente.
– Eu gostaria de registrar um boletim.
– O que foi?
– Eu gostaria de registrar um boletim.
– Você já falou isso! Não sou surdo! O que você quer registrar?
– Um boletim.
– Que boletim? O que aconteceu? Desembucha logo!
– Moço, eu sou de Itabuna, Bahia.
– Hum. E daí?
– Pois é, eu sou de Itabuna, lá na Bahia, e fizeram um trabalho pra mim.
– Trabalho? Que trabalho?
– Isso. Um trabalho pra minha vida não andar pra frente. O senhor entende?
– Trabalho? Você tá falando de macumba?
– Sim. Isso. Fizeram um trabalho pra mim lá na minha cidade. Umas pessoas que não gostam de mim fizeram esse trabalho.
– E daí?
– Como eu estava dizendo, moço, essas pessoas fizeram esse trabalho pra que eu não conseguisse as coisas. Eu não consigo estudar, eu não consigo trabalhar.
– Pera aí! Aqui não é lugar para você resolver isso. Você tem que procurar uma igreja, um centro espírita, um terreiro, sei lá o quê. Mas não é aqui que você vai resolver isso.
– Moço, o senhor não está entendendo. Parei de estudar, não consigo arrumar emprego.
– E daí? O que a polícia tem a ver com isso?
– Mas, moço, eu tenho 27 anos, não tenho namorada e ainda sou virgem.
– Ih, aqui é que você não vai resolver isso mesmo!
O Santana se levantou e foi tomar um café. Ele pensou: “Hoje vai ser um daqueles dias!”