Apesar de prender o riso e esconder a comicidade, a tragédia provocada pela natureza no Rio Grande do Sul e em parte de Santa Catarina e do Paraná não produziu somente coisas ruins. Além da terrível devastação, da morte de seres racionais e irracionais e do desabrigo de milhares de pessoas, as chuvas torrenciais também molharam os cérebros frios e calculistas de determinados homens públicos, os quais decidiram perder um pouco do precioso, custoso e endinheirado tempo para, pelo menos temporariamente, pensar no socorro ao povo gaúcho. Não é nada, não é nada, pelo menos podemos entender o gesto como uma flexibilização da fervente temperatura vivida pelos Três Poderes.
O padrão de personalidade de nossos dirigentes é ciclotímico, isto é, caracterizado por períodos de excitação, euforia, hiperatividade, inatividade e, às vezes, depressão e tristeza. Nada a ver com traços psicóticos, mas talvez reforce a prova de que ser amargo faz parte do perigoso jogo da política. Ou seja, é distribuindo fel que eles conseguem o mel. Dito isso, é de se louvar que, ainda que pela falta do que fazer diante da catástrofe, os presidentes Luiz Inácio, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) decidiram sentar-se à mesma para tragos ardidos, mas solidários.
Os primeiros sintomas do aquecimento global precisaram chegar de fato ao Brasil para que os combustíveis fósseis dos mandantes deixassem de queimar os pés, o coração e a alma dos brasileiros. Como esse tipo de obrigação faz parte do show político, não há por que reverenciá-los. Entretanto, é um dever dos mais sensatos registrar tal fato como algo incomum, mas capaz de ser repetido sempre que houver necessidade de socorro à população. O problema é que, embora a união dos poderes seja esparsa, sempre há e sempre haverá necessidade de apoio à sociedade menos abastada, aquela que realmente se preocupa com o semelhante.
Não sei se os três brigões participaram do mesmo karaokê da Madonna. Também desconheço o mandante da iniciativa e o autor do PIX que bancou a “uiscada” solidária. Pouco importa. Importante é que resolveram agir, antes que cheguem as eleições. Simbolicamente, gregos e baianos aderiram à união nacional e acabaram se defendendo de eventuais futuras cobranças. Fizeram como aquele famoso ator que, ao ser pego com maconha, se defendeu dizendo que havia recebido de um amigo a erva maldita. “Eu fumo, mas não trago”. Venha de onde vier, alguma coisa tinha de ser feita.
Junto dos figurões da República, o povão que não tolera mais o negacionismo abusivo e tóxico arregaçou as mangas e mostrou aos “patriotas” o que é ser verdadeiramente patriota. É a prova de que ninguém precisa sacrificar a alegria para justificar a dor. As duas podem perfeitamente andar de mãos dadas contra o ódio. O maior exemplo disso vem sendo dado pelo MST. Abomino suas eventuais práticas, mas não há como deixar de elogiar a assistência do grupo aos flagelados do Sul. Até agora, seus representantes já distribuíram quase 15 mil marmitas.
Por isso, assino embaixo do novo bordão do movimento: “Não sei se o agro é pop, mas o MST com certeza é humano”. Curiosamente, os defensores do povo que adora ser escravizado estão escondidos, escafederam-se. Cadê o Jair e seu clã? E o Malafaia com seu rebanho? Valdemar Costa Neto certamente está no Polo Norte fazendo campanha para a turma do Partido das Lágrimas, o ultrapassado PL. Vale lembrar que, ao se sentir ameaçado de prisão, o ex-presidente foi às redes sociais pedir apoio financeiro para custear seus processos. Foram arrecadados R$ 17 milhões, boa parte desse dízimo doada pelos “patriotas” gaúchos. Que falta essa grana deve estar fazendo! O que fazer? Sentar, orar e pedir paz e muito sol a São Pedro. Os votos e as piadas podem ficar para depois.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras