Famílias da classe D – com renda familiar média mensal de R$ 720 – foram as mais negativamente impactadas pela pandemia de covid-19 no que diz respeito aos cuidados com as crianças de até 3 anos.
Esse grupo (famílias da classe D) se sente mais triste, ansioso, sobrecarregado, exausto, impaciente e assustado que os demais. As famílias destacam que o fator financeiro é um ponto de atenção na forma como cuidadores têm lidado com a pandemia.
As informações fazem parte da pesquisa Primeiríssima Infância – Interações na Pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de covid-19, que será divulgada na íntegra nos próximos dias.
A pesquisa foi realizada pela Kantar Ibope Media, a pedido da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, e contou com a participação de famílias das classes sociais A, B, C e D, que convivem e são responsáveis por crianças de 0 a 3 anos. Ao todo, 1.036 pessoas participaram das entrevistas, feitas, em sua maioria, de forma online com o auxílio de uma plataforma, em março deste ano.
“Uma primeira infância de qualidade, de estímulos adequados propicia oportunidades para a criança. Ao mesmo tempo, há um efeito negativo quando não há oportunidade de disponibilizar o ambiente adequado”, diz a CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz.
“Com o isolamento social e uma natural crise socioeconômica, a gente percebe, pela pesquisa, o agravamento dessas oportunidades, os efeitos perversos da desigualdade e como esses ambientes e estímulos conseguem fazer o desenvolvimento [da criança] avançar ou retroceder.”
Mariana explica que os primeiros anos de vida das crianças representam uma oportunidade única e decisiva para o desenvolvimento de todo ser humano. Nessa etapa, são feitas conexões que formam a base das estruturas cerebrais e contribuem para a aprendizagem, além de criar condições para a saúde e a felicidade delas no presente e no futuro. Por isso, tanto a primeiríssima infância, até os 3 anos, e a primeira infância, até os 6 anos, precisam de atenção.
A especialista enfatiza ainda a necessidade de cuidar de quem cuida. “Os cuidadores e pais precisam estar bem para conseguir oferecer e estar disponíveis para que a interação aconteça. O desenvolvimento acontece por meio da interação”, diz.
Resultados
As situações vividas pelas famílias na pandemia são distintas, e a percepção em torno do trabalho de cuidar de crianças pequenas também muda, de acordo com a classe social de quem respondeu ao estudo.
Aqueles que puderam trabalhar em casa, por exemplo, relataram mais tempo de convivência das mães, pais e responsáveis com as crianças durante a pandemia. Isso ocorreu, sobretudo, nos segmentos de classe e educação mais elevados: 51% da classe AB1 – com renda familiar média mensal acima de R$ 11,3 mil – relataram que tiveram boas oportunidades de convivência com as crianças na pandemia. Essa porcentagem cai para 33% entre as famílias da classe D. Nesse grupo, a maioria, 52%, relatou que não houve alteração no tempo de convivência.
A pesquisa alerta que, apesar do tempo de convivência dos pais com os filhos não ter sido alterado para classe D, ele pode estar mais precário devido à sobrecarga e ao acúmulo de funções.
As mudanças na rotina tiveram efeitos também nas crianças. Cerca de uma em cada quatro (27%), de todas as classes, apresentou regressão neste um ano de pandemia. Isso significa que voltaram a ter comportamentos de quando eram mais novos, como chorar muito, fazer xixi na roupa sem pedir para ir ao banheiro e falar menos. O uso mais frequente de equipamentos eletrônicos também pode ter impactado no desenvolvimento.
O acesso à informação e a políticas públicas e a sensação de amparo também foram sentidas de forma diferente a depender da classe social da família. A maior parte (64%) da classe B2C Básica – que corresponde às famílias com renda média mensal entre R$ 1,7 mil e R$ 5,6 mil que cursaram até o ensino médio – e da classe D (70%) tiveram acesso à renda emergencial. O índice de visita domiciliar por programas sociais, como o Saúde da Família, ficou em cerca de 20% em todos os grupos.
Os benefícios recebidos dão, no entanto, sensação de amparo principalmente para os grupos de educação elevada. Na classe AB1, 58% sentiram-se amparados. A menor porcentagem, 32%, é de famílias da classe D. Já com relação a informações recebidas durante esse período, a classe AB1 se destaca como a que mais recebeu enquanto a D foi a com menor percentual registrado, respectivamente 22% e 10%.
Acolhimento
Segundo Mariana, os impactos negativos da pandemia podem ser revertidos e amenizados com acolhimento e atenção às crianças, o que exigirá a ação de toda uma rede que envolve familiares e escola. “Essa rede precisa estar pronta, de forma segura, para acolher as nossas crianças, para acolher também os desafios e retrocessos com naturalidade, como parte de um processo de desenvolvimento”.
Ainda em meio à pandemia, dentro do possível, dedicar tempo e atenção às crianças pode ajudá-las a passar por esse momento de estresse e medo.
“Em casa, a gente precisa continuar oferecendo esses estímulos, de brincadeiras, de ouvir, de identificar sentimentos, de entender, de explicar, de ajudá-los a identificar o que estão sentindo, de se expressar. Fazer isso por meio de contação de histórias, da leitura de livros, da conversa, da música”, defende Mariana.