Foi-se o tempo em que os seguranças do Congresso, particularmente os da Câmara dos Deputados, tinham de estar sempre atentos para uma resposta cabotina aos numerosos e diários visitantes da Casa do Povo, hoje Casa de Mãe Joana. Naquela época em que, pelo menos internamente, os parlamentares se respeitavam, era comum o plenário ser invadido por gritos do tipo “Ladrão, vagabundo, sem vergonha, corrupto, corno, chifrudo, boi-manso, trapaceiro, degenerado, depravado, safado, putanesco, paneleiro, vacilão, boquirroto, puxa-saco, vendido, rendido, cachorro sarnento e sua mãe tem uma carreira de maminha”. Enfim, o repertório de adjetivos era tão variado e lisongeante que os atuais policiais legislativos se viam na obrigação de informar a um visitante desavisado que aquela gritaria era apenas a chamada dos deputados.
Lembro de dois “chamamentos” pouco usuais, mas muito interessantes pelo quantitativo de caracteres (44) e pelo robusto significado. Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiose e motherfucker eram mais do que simplórios xingamentos. Como o termo designa uma doença provocada pela inspiração de cinzas de vulcão, afetando o pulmão e a garganta, o primeiro palavrão queria dizer – e dizia – catarrento, melequento, remelento ou langanho. Mais direto e aportuguesado, o segundo tinha a mesma conotação de filho de quenga. Tudo dentro do maior respeito e apreço, pois o presidente da Casa, normalmente vindo de uma linhagem metafórica diferente, consequentemente mais poderosa, não esperava pela recuperação do nauseabundo e irrecuperável parlamentar.
Àqueles que faltavam com o decoro sobrava o pau, não o de arara, mas o oco no lombo. Perdão, mas, se é que me entendem, não queria dizer o que disse. Não pensei em enfiar o pau em ninguém. Era só uma questão de semântica. Eita, tempo bom. E lembrar que só haviam dois partidos, um conservador e outro progressista. Tiros, ameaças e perversões maledicentes e cornológicas eram situações extremas e faziam parte quase que exclusivamente do folclore político alagoano, acreano e amazonense. Por questões rosarianas, fico por aqui. O povo já morreu e seus túmulos não merecem ser revirados. Hoje, na pior fase da República, temos de conviver com uma leva de donos de engenhos falidos ou de militares tacanhos, os quais têm certeza de que o plenário da Câmara é uma extensão de suas golpistas e embandeiradas casas.
É claro que estou falando dos senhores deputados e senadores lamentavelmente eleitos na esteira do Capetão do além. Com eles, os singelos palavrões deram lugar a uma selvagem baixaria. Guindados a uma condição análoga à de capataz, suas excelências, a maioria vinculada ao Partido das Lágrimas (PL), se acham no direito e – no dever – de berrar contra seus adversários políticos, transformados desde o dia 8 de janeiro em inimigos mortais. Chamar para a porrada virou moda entre os que viram as costas para o povão, apelidado de eleitor a cada dois anos. Que o digam o senador e ministro da Justiça Flávio Dino e o ministro Alexandre de Moraes, o Xandão do Supremo, as principais vítimas dos terrivelmente sérios homens do povo.
Como poucos dispõem de ideias e propostas, o que fazem os deputados da patriotada? Como bonecos de posto de gasolina, achincalham o Congresso, esculhambam a ética e depravam a República. É um debate para cachorro e para chupetinhas. Se acham os donos do mundo, querem causar, jogam para a plateia e, como bolsonaristas raiz, acreditam piamente que, um dia, voltarão ao poder. Talvez no inferno, para onde deve ir o mito e líder de porranenhuma, os alinhados se contenham um pouco mais. Afinal, junto do demo evangelizador, quem sabe as lacraias consigam lacrar com mais facilidade. No ambiente da Câmara, os falsos esquentadinhos e tumultuadores precisam ser lembrados de que o tempo de menino bobalhão ficou para trás.
O caso é sério. Resta saber como se comportará o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). É dele a última palavra. É literalmente botar o pau na mesa e informar aos transeuntes da Câmara que o germe do bolsonarismo não vingou. Se não sabem brincar, não desçam para o play. Voltem para o circo, recoloquem o nariz vermelho e retomem suas estripulias em picadeiros interioranos. Depois não querem ser lembrados da música em que a eterna Rita Lee afirma que “Filé minhão, champinhão, Don Perrinhão/A rabada, o tutu, o frango assado, o jiló e o quiabo/Prostituta e deputado/Esse governo e o passado…/Tudo vira bosta”. Portanto, nobre deputado que não sabe o que faz na Câmara, tome tento e “não me vire as costas”. Até a próxima eleição. E lembre-se de que “Tudo vira bosta”.