Direitos humanos
Bandido bom é bandido julgado corretamente
Publicado
emCarolina Ricardo
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que a cada nove minutos um brasileiro é morto violentamente, o que significou mais de 58 mil homicídios em 2015. Ao mesmo tempo, uma pesquisa do Datafolha apontou que 57% da população acredita que “bandido bom é bandido morto”.
Essas informações demonstram que, por um lado, o patamar de mortes violentas segue altíssimo no país e, por outro, que há pouca confiança na capacidade das instituições resolverem os problemas de violência, gerando o predomínio da lógica “olho por olho, dente por dente”. A impunidade é danosa para toda a sociedade e um risco para a consolidação do Estado democrático de Direito, pois potencializa a descrença, a desconfiança e a deslegitimação das instituições de segurança pública e de Justiça criminal.
Realizada em parceria com o Instituto Fidedigna, além de apoiada e publicada recentemente pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, uma recente pesquisa do Instituto Sou da Paz, cujo objetivo foi o de mostrar como o fenômeno dos homicídios é compreendido, analisou o perfil e as estratégias de investigação e de esclarecimento desses crimes em três municípios brasileiros: Serra (ES), Lauro de Freitas (BA) e Alvorada (RS). Na análise, foi possível identificar caminhos para melhorar a investigação, assim contribuindo para o seu esclarecimento e para a consequente diminuição da impunidade.
O caráter das ocorrências de homicídios nas três cidades é parecido, especialmente em relação ao perfil dos autores e das vítimas –cuja predominância é de homens jovens. Também há um maior número de ocorrências cometidas com armas de fogo e de casos em que há pouca informação sobre a motivação do delito nos documentos que relatam as suas primeiras informações.
As diferenças começam a aparecer quando são considerados os dados amostrais sobre os inquéritos conduzidos em cada cidade. Uma informação que logo chama a atenção diz respeito às motivações apuradas ao final da investigação, já que em Serra e em Alvorada é mais frequente a relação do tráfico de drogas com o crime, enquanto em Lauro de Freitas os motivos são banais, mais relacionados a discussões entre conhecidos e a casos de vingança.
Embora o percentual de homicídios esclarecidos seja semelhante nas três cidades, considerado o percentual de inquéritos relatados com autoria –31% em Serra, 32% em Lauro de Freitas e 44% em Alvorada–, há importantes diferenças quanto ao formato de investigação.
O atendimento inicial à ocorrência, por exemplo, é bastante importante, já que quanto mais claro e formalizado for, mais informações ficam disponíveis para instaurar o inquérito, possibilitando que o delegado dê instruções focadas à sua equipe de investigação, para que esta desenvolva os procedimentos de apuração dos casos.
O tipo de delegacia que cuida do caso também é fundamental. Se for uma delegacia territorial/distrital ou uma especializada, há impacto em dois pontos importantes: o primeiro é nível de conhecimento das equipes sobre as dinâmicas dos homicídios e também sobre as especificidades dos atendimentos a esse tipo de caso; já o segundo é a quantidade de recursos para a realização dos trabalhos de investigação.
A partir da análise dessas cidades, a pesquisa termina por apresentar um conjunto de recomendações para aprimorar o esclarecimento dos homicídios: padronização do registro inicial da ocorrência e dos protocolos para o primeiro atendimento, garantindo mais informações para dar continuidade às investigações; padronização dos procedimentos de investigação, criando rotinas que facilitem os trabalhos dos delegados, investigadores e demais profissionais; fortalecimento e padronização da atuação das perícias, garantindo que estas tenham acesso a mais recursos e que haja preservação adequada do local do crime.
Outras recomendações são: investimento em gestão da informação, garantindo a coleta, o processamento e a análise de dados sobre as ocorrências criminais; sistematização das informações produzidas a partir das investigações, garantindo que os gestores tenham acesso a dados mais estruturados, possibilitando um processo de tomada de decisão orientado por esses diagnósticos; investimento na proteção às testemunhas; aumento da capacidade investigativa em locais com alta concentração de homicídios, por meio ou da especialização das delegacias ou do aporte de recursos humanos.
A adoção dessas recomendações poderá contribuir para o aumento dos esclarecimentos dos homicídios no Brasil. Quem sabe assim a população retome sua crença nas instituições de segurança pública e na Justiça criminal, passando a defender a máxima de que bandido bom é aquele processado e julgado corretamente pela justiça?