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Aqui se faz, aqui se paga

Banho de descarrego manda Bolsonaro para longe

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Armando Cardoso/Especial para Notibras - Foto Marcelo Camargo

Entre as dez leis de Murphy, a que mais se parece com o Brasil e com a atual administração é justamente a mais utilizada nos últimos tempos por 11 entre dez brasileiros. Nada está tão ruim que não possa piorar, foi usado pelo próprio presidente da República na cerimônia dos mil dias do governo. Não ficou claro se a alusão era a antecessores ou ao adiantado estado de decomposição de seu poder. Pouco importa. O que está claro é que, embora tardia, uma recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral deve gerar acréscimo de pelo menos mais dois itens às teses do engenheiro e militar norte-americano Edwar Murphy, criador da Lei Universal que desde 1949 assombra os azarados. Na página 2 do livro de bolso dos ministros da Corte agora está escrito “aqui se faz, aqui se paga”. É melhor não assinar embaixo do que andam dizendo por aí.

Ainda inconcluso, o julgamento é a prova de que o golpe de fraude na urna eletrônica não é novo, apesar da maior idade irreparável do equipamento. São duas questões inquestionavelmente bolsonarísticas. Uma delas é que a vitória em 2018 jamais passou pela imaginação da turma do quanto pior melhor ou dos eleitores descontentes com o (os) governante (s) de então. A segunda foi uma decorrência de Bolsonaro ser franco atirador contra qualquer poste que se apresentasse como oponente. Aí é que o jogo ficou sujo. A necessidade de se criar fatos novos acendeu nos “descobridores” do plenipotenciário capitão a ideia de que uma ou outra fake news poderia mudar o rumo da partida. E foram várias. A principal delas teve o deputado Fernando Francischini (PSL-PR) como protagonista. A outra atende por Adélio Bispo e permanece sem resposta.

Cada vez mais encolhido, o grupo talvez nunca tenha imaginado que tudo que fazemos, seja bom ou ruim, um dia será cobrado de nós. Chegou o dia D e a hora H. As fake news viraram fatos para o pessoal do cercadinho e para os sete juízes do TSE. Não sei quem primeiro lançou a canoa ao mar – também não importa -, mas a propagação de fake news sobre a fragilidade do sistema eletrônico de votação provocou uma antológica reação da Justiça Eleitoral. A verdade é que o gato miou e, muito pior, a barata começou a voar desordenadamente para os lados bosolíticos. O ricochete do TSE deve alcançar de imediato Francischini, acusado de reproduzir, por meio de uma live no Facebook, notícias falsas sobre supostas maracutaias no uso da urna eletrônica. Isso ocorreu em 2018, 22 minutos antes do encerramento daquele pleito.

Três dos sete integrantes da Corte já votaram no sentido de que disseminar acusações sem provas de fraudes na maquininha de votar ficará passível de cassação e inelegibilidade. Em outras palavras, braço direito de Jair Bolsonaro (dizem que também esquerdo), Francischini está a um voto do cadafalso. Isso quer dizer que, embora tenha conseguido arquivar nove das 15 ações contrárias à chapa querelada, a defesa do presidente da República deve estar preparada para respostas menos ortodoxas quando chegar a vez do mito se explicar acerca das entrevistas, lives, acusações sem provas e até uma PEC questionando a lisura e a inviolabilidade de um equipamento utilizado desde 1996 sem mácula alguma.

Em tempos nebulosamente extremistas e permanentemente golpistas, a abertura de um precedente na Corte Eleitoral é um norte concreto e certamente inibirá a utilização da internet como casa da Mãe Joana. Como o processo relatado pelo ministro Luiz Salomão é específico para mentiras relativas às urnas, mas inclui a proibição de utilização da imunidade parlamentar para cometer atos ilícitos e atacar instituições democráticas, o resultado final deverá ser a pá de cal na repetição do ainda principal discurso bolsonarista para a eleição presidencial de 2022. Corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luiz Salomão é um magistrado sério e que não tergiversa diante de ilícitos. Considerado pelos pares como histórico e memorável, seu voto estabelece que a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação durante as eleições podem configurar abuso e utilização indevida dos meios de comunicação social. E ponto.

A maioria contra Fracischini deve ser conseguida com o voto do ministro Carlos Horbach. A partir daí, estará dado o primeiro recado eleitoral ao presidente Jair Bolsonaro. Os demais deverão chegar com a aprovação do relatório da CPI da Covid. Obviamente que tudo pode acabar em nada. No entanto, a vida e os votos não serão mais tão fáceis como aparentavam há cerca de dois anos e nove meses. Não é apenas uma questão de semântica, mas o período de sangria desatada do país está só começando. A ferida é intensa e exige cuidados imediatos e duradouros, sob pena de o sangramento não ser estancado a médio e longo prazos. Os ministros do TSE começaram a fazer a parte deles. Falta exatamente um ano para que a nossa seja cumprida. O país precisa de um bom banho de descarrego. Como diz um ditado médico, existem dois tipos de esparadrapo: o que não gruda e o que não sai. Escolher o melhor autoadesivo é uma questão de foro íntimo. Se omitir e deixar de agir é o mesmo que uma gargalhada histriônica quando a situação é séria. Lembremo-nos de que o país está ruim, mas não vivemos nada pior faz tempo.

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