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Barco do governo à deriva no mar de óbitos do vírus

A insensatez de parte dos brasileiros é algo que precisa ser estudado com relativa urgência. Para alguns, talvez seja caso de internação. É claro que essa avaliação deve ser aplicada de modo mais enfático aos governantes e políticos, cuja maioria está literalmente se lixando para o povo. Prova disso é que, no pior e mais letal momento da pandemia do novo coronavírus, o presidente da República voltou a questionar o isolamento social e a máscara como formas de controle da Covid. No seu jeito maquiavélico de ser, Bolsonaro esqueceu que os dois mecanismos são comprovadamente eficazes e recomendados por cientistas e infectologistas mundiais como o meio mais fácil de conter a disseminação do vírus. Também não lembrou que sua gripezinha matou somente na quinta, 25, mais 1.582 pessoas.

Tão ou mais grave foi a Câmara dos Deputados se reunir para, a toque de caixa e com patrocínio do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, admitir uma emenda constitucional que, após a votação final, permitirá ao parlamentar matar, roubar mandar prender, atentar contra a própria Constituição e se locupletar livremente. Perdoem-me o desabafo, mas estão brincando de governar e de legislar.

Estão fazendo pouco caso da paciência da população. Isso no instante em que o país enfrenta uma crise sanitária sem precedentes, com hospitais estaduais, municipais e privados a um milímetro da saturação, a sociedade clamando por vacinas e famílias lamentando não conseguir enterrar seus entes queridos com dignidade. Nesta sexta, 26, infelizmente, o Brasil soma 10.390.461 casos de infecção, dos quais 251.498 chegaram a óbito. O número de mortos equivale ao volume de habitantes de uma cidade média.

O Poder Público sediado em Brasília virou um circo com dois espetáculos distintos. De um lado, um cardume de piranhas famintas, vorazes e prontas para o ataque; de outro, um tubarão troglodita que aparece para poucos e nada, nada, nada, nada e nada. Sobram o pouco caso com o vírus, o descaso com a vida, o cheiro incômodo, fétido e incontrolável da morte e o naufrágio anunciado do outrora respeitado e amado barco brasileiro. O pior é o nada. Para o bem geral, nada é feito, nada é proposto, nada é aprovado, nada é mostrado. Por exemplo, qualquer cidadão comum sabe que o custo de uma dose de vacina é infinitamente menor do que um leito de UTI ocupado ou de uma equipe de pelo menos três pessoas cuidando de um infectado. Portanto, não se trata de criticar gratuitamente, mas de cobrar, de exigir, o que parece óbvio.

Por que enrolaram – e enrolam – tanto para providenciar imunizantes para todos? Falta de interesse ou de preocupação. Quem sabe as duas coisas? Simples assim. Cômico não fosse trágico, estamos “comemorando” 12 meses da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil. Ainda mais triste é ser lembrado pela mídia canalha que, lá atrás, os ex-ministros Henrique Mandetta e Nelson Teich, antecessores do general Eduardo Pazuello na pasta da Saúde, reconheciam a extrema gravidade da doença. Em recente entrevista, Mandetta foi além e acusou publicamente o presidente da República de ter sabotado o planejamento inicial de proteção do vírus. Segundo ele, os empecilhos foram maiores do que o bom senso. O resultado? Bolsonaro e Pazuello minimizaram o peso e o catálogo de laboratórios de primeira linha e agora correm contra o tempo para comprar vacina de qualquer um. Pasmem, mas é a hora da xepa. Ou seja, o descaso é antigo.

Como acreditar em um governante que não atua além do umbigo? Como imaginar sério um governo que politiza a vacina e negocia a vida? Como aceitar um presidente que, sem prova alguma, usa as redes sociais para afirmar que as máscaras são “prejudiciais”, pois causam irritabilidade, dor de cabeça e dificuldade de concentração nas crianças? Como entender normal um dirigente que culpa governadores e prefeitos por “obrigar” as pessoas a ficarem em casa, consequentemente defendendo a volta da população ao trabalho, às ruas? Como respeitar um chefe do Executivo federal que, por conta da necessidade do isolamento, em vez de oferecer ajuda, insinua que vai jogar no colo de estados e municípios a responsabilidade pelo pagamento do novo auxílio emergencial? Por fim, o que esperar de um Congresso que só legisla em causa própria? Estamos sem rumo, como bosta n’água.

Quando ainda era jovem, os mais velhos costumavam dizer: “Não tenha medo de quem te odeia, mas sempre preste atenção naqueles que fingem amar você”. É o que posso afirmar hoje do nosso governante. O posicionamento sobre uso da máscara não surpreende, porque aprendemos cedo a conviver com autoridades sábias e preparadas para uma série de tarefas populistas, mas absolutamente despreparadas para o respeito ao próximo e a si mesmo. Posso estar exagerando, mas, infelizmente, quem desrespeita o semelhante não consegue se olhar no espelho sem ares de superioridade, sem a necessidade de se sobrepor ao amigo, ao irmão, ao filho e até ao pai.

Senhor presidente, parafraseando o grande filósofo popular Bruno Henrique, meia do Clube de Regatas do Flamengo, “a boa história nem sempre tem o melhor início, mas certamente o fim é inesquecível”. Lembrando outra filósofa do povo, a ex-presidente Dilma Rousseff, “até quando a gente perde, a gente ganha”. Portanto, apesar da derrota, os cerca de 43 milhões de rubro-negros ficaram felizes com o octacampeonato do Mengão e o segundo bicampeonato sequencial. Ao lado de torcedores insatisfeitos de outras agremiações, esse povo decide uma eleição. Por isso, antes de tentar acordos com Deus e o Diabo para se reeleger presidente, trabalhe mais pelo Brasil e pelos brasileiros. Porque estamos – nós e o barco do governo – à deriva.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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