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Cheiroso é melhor

Bartô resiste ao vício e troca bebida por cachorro

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez* - Foto Produção Irene Araújo

Bartolomeu, Pinto por parte da mãe, Cavalcante vindo do pai, acordou numa segunda-feira decidido a nunca mais beber. Na verdade, sejamos sinceros, o homem jamais apreciou o gosto do álcool. O que o atraía para tal hábito era mesmo o efeito que ele provocava.

Não que o homem sentisse ter poderes de invencibilidade e pudesse enfrentar o mundo. Não! Nesses momentos, Bartô se sentia livre das obrigações. Nada de contas para pagar, nada de acordar cedo para ir para o trabalho. Tanto é que, esses momentos eram vividos entre a noite de sexta-feira e o domingo, no interior do quarto-e-sala que o homem dividia com ninguém. No dia seguinte, todavia, a conta vinha alta na forma de ressaca.

A semana se arrastou, como se testando os nervos do Bartô. Clientes dos tipos chato e muito chato tomaram-lhe quase toda a paciência, sem falar no chefe, cada vez mais exigente. Quanto ao salário, apesar de não ser dos melhores, dava para os gastos.

Sexta-feira! Último cliente atendido, derradeiro minuto no emprego. Bartô olhou o relógio e pimba! O homem acabara de ganhar o salvo-conduto. Tratou de sair daquele martírio antes que o patrão o intimasse para reunião de última hora.

Já na calçada, o sujeito foi em direção ao mercado, mais por hábito do que necessidade. Pegou um pacote de macarrão, molho pronto e duas latas de sardinha. Passou diante da prateleira de bebidas, onde suas pupilas dilataram. Olhou os preços, percebeu que a cerveja favorita estava na promoção. Resistiu.

Na fila do caixa, pensou em retornar para o corredor e pegar a bebida. Travou uma batalha entre o desejo e a promessa, até que, já decidido a buscar ao menos algumas latas de cerveja, a moça do caixa o despertou: “Senhor, é a sua vez!”

Bartô, sentado no sofá, já havia rodado por todos os canais da televisão. Nada o atraía naquelas programações. Foi até a cozinha e vasculhou a geladeira em busca de uma cerveja esquecida no fundo da gaveta. Nenhuma sequer, a não ser uma garrafa de água com gás. Tomou um gole e sentiu as bolhas querendo fugir pelas narinas.

O homem foi se deitar, mas a cama lhe pareceu um enorme espaço vazio. Passou a noite toda rolando de um lado para outro, até que, sem se dar conta, adormeceu. Não teve pesadelos, mas sonhou que estava sentado diante de uma praia, com as ondas lambendo seus pés. O dia estava ensolarado e convidava para tomar aquela gelada.
Bartô despertou decidido a tomar uma cerveja. Olhou ao lado, mas só encontrou a garrafa de água com gás pela metade. Que se dane promessa de não mais beber. Iria comprar uma lata de cerveja, apenas para saciar aquele desejo incontrolável. Que fossem duas ou três, não importa.

Lavou o rosto, colocou uma bermuda e uma blusa, calçou o chinelo, pegou a carteira e foi em direção ao mercado. No caminho, foi abordado por um homem segurando um filhote de cachorro.

— Pastor alemão legítimo!

Bartô tentou se desvencilhar, mas o tal homem insistiu.

— Cinquenta reais.

— Não estou interessado.

— Faço por 30.

— Não quero cachorro.

Bartô, finalmente, livrou-se daquela situação. Já na porta do mercado, virou-se para o vendedor, quando seus olhos fitaram os do cachorro. Sentiu impulso de voltar, mas desistiu. Já em frente à prateleira de cervejas, percebeu que a sua preferida continuava na promoção. Pegou duas caixinhas com seis. Foi em direção à fila do caixa, mas algo o incomodava.

— Senhor, é a sua vez!

Bartô olhou para a moça do caixa e, naquele instante, percebeu que precisava fazer algo. Deixou as cervejas no chão, pediu desculpas para a atendente e saiu correndo do mercado. Algumas pessoas da fila comentaram que aquele lá devia ser mais um dos tantos malucos neste mundo. Outras riram.

Esbaforido pela corrida, Bartô abordou o homem do cachorro.

— Quanto é mesmo esse bicho?

— Cinquenta reais.

— Você disse que fazia por 30.

— Então, faço 30 pro senhor.

Bartô abriu a carteira e só encontrou uma nota de 10.

— Tenho isso.

O vendedor olhou para a cédula na mão de Bartô, olhou para os lados, balançou a cabeça, mas acabou aceitando a oferta. Pegou os 10 reais, entregou o cachorro, que de pastor alemão não tinha nem a sombra, dobrou a esquina e sumiu.

Com o cachorro nos braços, Bartolomeu Pinto Cavalcante se sentiu arrependido por seu impulso, ainda mais porque aquele ser minúsculo parecia ter vindo do esgoto. Que fedor! Sem coragem de jogá-lo à própria sorte, levou-o para casa, onde precisou gastar um frasco inteiro de xampu para deixar o animal com um cheiro agradável.

— Cheiroso!

E foi esse o nome dado para aquele pequeno ser, que logo se transformou num grande cachorro, não apenas em tamanho, mas em amizade. Bartô ainda luta contra a vontade de embebedar, mas tem resistido. Tanto é que, assim que acorda, não esquece de trocar algumas palavras com o Cheiroso.

— Que bom que a gente está se vendo. É sinal de que estamos vivos.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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