Depois de uma longa prosa com Morfeu, desperto com a informação fidedigna de que, entre os deputados que votaram para libertar um dos acusados de matar Marielle Franco, 21 devem concorrer à prefeitura de suas cidades. Triste, mas normal em um país no qual ações antidemocráticas são defendidas publicamente por homens e mulheres eleitos para trabalhar em defesa das liberdades. São os mesmos que não se contentam em golpear a nação, “roubar” raios de sol, jogar punhobol no Pico do Careca, promover bingos na Igreja do Fechamento do Sétimo Dia e em trabalhar contra seus eleitores. A última façanha dos caras de pau é propor a privatização de praias.
O Brasil indo para o buraco, brasileiros morrendo de fome, gaúchos morrendo soterrados e eles morrendo de rir. Privatizar praias é uma das obras inacabadas e incubadas no obsidiado e obsessor pensamento do governo anterior, cuja avaliação é de que as praias não são de ninguém. Partindo desse pressuposto, a conclusão é simples: se não são de ninguém, porque não podem ser minhas. No caso, deles. Não à toa, a PEC que propõe privatizar áreas litorâneas da União é relatada pelo senador Flávio Bolsonaro. Na contramão da lei, a proposta objetiva a criação de “Cancúns brasileiras”, conforme sonho antigo da família, particularmente do ex-presidente de todos os horrores.
De acordo com a atual legislação, “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse da segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas”. Didaticamente, conforme a Constituição Federal, as praias são bens da União e não podem ser vendidas. Em 2021, também não por acaso, o então mandatário brasileiro anunciou a proposta “de um xeque árabe de investimentos da ordem de US$ 1 bilhão para algo melhor do que Cancún”. Perderam o juízo a ponto de esquecerem que, assim como as joias são da União, o céu é do avião e as praias do povão.
Como se vê, as jóias das arábias não pararam nas mãos do clã sem motivo aparente. Aprovada a PEC, sem qualquer preocupação com o meio ambiente, a primeira privatização ocorreria com Angra dos Reis. Na sequência, viriam Maragogi (AL), Florianópolis (SC) e Cairu (BA). Esse novo absurdo bolsonarista voltou à pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado nessa segunda-feira (27). Na prática, o que os loucos defendem é o fim de um dos espaços mais democráticos do planeta. Privatizar a praia significa torná-la uma área particular, de interesse próprio e para uso diferente do interesse comum.
Mais uma vez os beneficiados seriam os tubarões imobiliários, todos romanticamente incluídos no “sentimento municipalista” decantado por Flávio Bolsonaro. Para eles e seus aliados, pouco importa que o litoral brasileiro seja posto em risco. Não há dúvida de que, a exemplo do que pensaram os destruidores de Porto Alegre e demais cidades gaúchas, que se dane a segurança nacional, a economia das comunidades pesqueiras artesanais e as consequências climáticas. O que vale é permitir que a família do presidente jubilado permaneça amaldiçoando o Brasil.
O pirão dos empresários que bancam a eleição e o mandato dos que votam a favor de proposições contrárias ao meio ambiente sempre terá mais peso do que a morte ou o desabrigo de centenas ou milhares de pessoas. Como a PEC já recebeu aval da Câmara dos Deputados ainda na gestão de Jair Bolsonaro, que Deus desça novamente à terra e, numa dessas reprimendas naturais, mostre aos parlamentares que se acham donatários do pedaço e que odeiam o povo quem verdadeiramente é o dono do mundo. Com todas as vênias divinas, que um raio desavisado abra a porta do inferno para todos os que querem o povão fora de suas praias particulares.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978