Notibras

Bastet chega de madrugada e faz milagre que só a ela cabe fazer

Flechinha, Pantera, Sid e Prince tiveram um bom Natal. Sem luxo, que os tempos estão bicudos, mas bom.

Fui à ceia na casa de minha filha e, na volta, lhes dei ração molhada – normalmente reservada para os que estão doentes –, ração seca e biscoitinhos gostosos. E muito, muito carinho. E depois fomos dormir.

Só que eles não dormiram (milagre, desmaiam, dormem pra dedéu). Ficaram imóveis, tensos, olhando para a janela aberta, como se esperassem a entrada de uma revoada de insetinhos – guloseimas para minhas pequenas feras.

Ela chegou no meu quarto por volta das 2 horas da madrugada. Era uma gata. Não uma mulher bonita e gostosa, um pedacinho de sonho materializado para animar minha noite solitária. Não, uma gata mesmo. Uma gatona de uns 2 metros de altura, de um pelo negro luzidio, que se erguia sobre as patas traseiras.

Falou-me com uma voz cheia de poder:

– Boa noite, mortal. Sabe quem sou?

Eu sabia.

– É a poderosa e linda deusa Bastet, mãe e protetora dos gatos.

Ela sorriu, gostou do elogio.

– Isso mesmo. Vim visitá-lo porque você cuida bem dos meus filhos. E pra outra coisa. – Lambeu-se e prosseguiu, ronronando – Mas antes gostaria de comer uma coisinha. Você por acaso tem um jacaré-açu por aí? Vivo, é claro.

Um jacaré-açu vivo? Uma fera de mais de 4,5 m bundando no meu apartamento? Fiquei mudo. A deusa prosseguiu:

– Prefiro crocodilos do Nilo. Eles têm mais de 6 m de comprimento, é uma briga boa antes de eu devorá-los – deu um sorriso feroz, mostrando as presas – Só que eles são cultuados no Egito, que nem eu, então é um problema, os sacerdotes dos templos deles protestam junto aos dos meus toda vez que como um deles. O jacaré-açu é pequenino (!), mas já dá pro gasto. Então, tem um jacaré para eu cear?

– De-deusa, não tem – gaguejei. – Ninguém tem jacaré vivo em apartamento.

– Se não tem, não tem – ela falou, resignada. E, mudando de tom. – Mas preciso comer… – e exibiu novamente as presas afiadas, dirigindo-me um olhar faminto.

Senti-me como um filhote gordinho de jacaré.

Por sorte, minha filha havia feito uma moqueca de peixe para a ceia, e me dado o que sobrou. Levei a deusa até a geladeira e mostrei o pratão. Quis esquentar, mas não deu tempo, ela devorou em segundos.

– Que delícia! Tem mais?

– Acabou, ó linda e poderosa Bastet.

– Se acabou, acabou. Saindo daqui, dou um pulo no Pantanal e pego uns jacarés. São minúsculos, uns 3 m, mas servem de aperitivo. Uns croquetinhos.

Deu uma guinada na conversa.

– Não vim aqui só pra comer essa coisa deliciosa. Nem só pra agradecer por cuidar bem dos meus filhotes. Tenho um presentinho pra você. Um presente temporário, então trate de aproveitar.

Bateu palmas, afastou as mãos e no espaço entre elas materializou-se uma gata bem conhecida.

– Minha Pimenta!

– Meu escravo querido! – respondeu Pimentinha, saltando para meu colo.

Ela estava bem mais forte e pesada, o pelo lindo, os olhos brilhando de saúde. Roçou o corpo nos meus braços e falou:

– Me leva até aquela coisa onde eu passeio em cima?

Levei-a até o computador, liguei-o, e ela começou a passear sobre o teclado, como tantas vezes fizera, enquanto dizia:

– Sabe, escravo, não tenho mais medo de gatos. O que é bom, no céu de mamãe Bastet só tem gatinhos. Quando soube que ela vinha ver você, implorei para vir – Olhou para meu braço sugestivamente e pediu ronronando.

– Posso?

– Pode sim, Pimentinha.

Ela se aproximou e deu uma mordidinha nele, como tantas vezes fizera, já no fim da vida, para chamar minha atenção.

– Bom, agora tenho de ir, escravo. Não se esqueça, amo muito você.

– Vou amar você pra sempre, minha Pimenta! – falei chorando.

Ela pulou no colo de Bastet e as duas se desmaterializaram. E eu agradeci a Bastet e a todos os deuses pelo melhor presente de Natal de minha vida.

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