Com um tom crítico, a Beija-Flor encerrou os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial no início desta terça-feira (13). Além empolgar o público nas arquibancadas e frisas do Sambódromo, quando as últimas alas deixavam a passarela a pista foi invadida e uma multidão foi atrás da azul e branco de Nilópolis, da Baixada Fluminense.
A Beija-Flor defendeu o enredo Monstro é aquele que não sabe amar, os filhos abandonados da pátria que os pariu, criado pelo coreógrafo da comissão de frente Marcelo Misailidis, baseado no livro de terror Frankenstein, de autoria de Mary Shelley. “A crítica é sobre a ambição e a ganância desmedida do ser humano, que levam as pessoas a se perderem de si mesmo. É um enredo auto-reflexivo também, não é só voltado para a questão política ou da ganância econômica. É também auto-reflexivo sobre o processo das corrupções em geral e até sobre as questões ecológicos que precisam ser pensadas”, disse à Agência Brasil.
Na obra, que agora completa 200 anos, um cientista dá vida a uma criatura construída com partes de pessoas mortas, tornando-se uma figura feia. Depois de rejeitada pelo criador, ela vaga em busca de companhia. E no desfile, a figura foi usada para um dos momentos de crítica no carro com o título de A Intolerância. Além de trazer a cantora Pabllo Vittar na frente, no meio da alegoria uma cabeça enorme de Frankenstein, se desfazia em fatias onde se lia embaixo palavras como racismo, feminicídio, ódio, discriminação, preconceito e xenofobia.
Em outra parte do desfile, criticando a corrupção, uma ala fez uma encenação de um banquete com homens e mulheres. Os homens estavam de terno preto com um pano branco na cabeça, lembrando o episódio chamado de Farra dos Guardanapos, que ocorreu em setembro de 2009 e foi exposto ao conhecimento público por meio de fotos. Naquele momento Sérgio Cabral, então governador do Rio de Janeiro, e seus assessores participavam de uma comemoração com empresários brasileiros e franceses.
Na alegoria O Abandono, a Beija-Flor mostrou várias cenas entre simulações de assaltos e de violência nas escolas em que alunos levam armas para as salas de aula. E no fim mais uma encenação, os integrantes da ala vestidos com roupas comuns do cotidiano simularam arrastões, mortes pela violência e estamparam mensagens como “quero mais emprego”, “chega de bala perdida” e “cuidar das crianças é cuidar do futuro !!!”
Salgueiro
O público também respondeu bem à passagem do Salgueiro, que homenageou as mulheres guerreiras africanas e em diversas atividades. A comissão de frente da escola emocionou boa parte do público. Os componentes executaram a coreografia do casal Hélio e Beth Bejani, que estão no Salgueiro há 12 anos, e arrancou aplausos, principalmente quando representavam o momento do nascimento de uma criança negra, em uma alusão à fertilidade. Os integrantes saíam de uma alegoria no formato de uma cabaça e após ser dividida em fatias, os componentes apareciam para o público. “Aquilo me arrepiou desde a primeira vez que a gente ensaiou. É nascimento. É vida”, apontou Hélio.
“Tudo que se passava na escola a gente contou na comissão de frente. Emoção. Foi criada para emocionar e se era para o público gritar, a gente fez”, completou.
Os 15 integrantes precisaram passar por uma preparação de maquiagem que começou na tarde de domingo (11). Eles receberam um produto para ficar com toda a pela negra. “Fizemos várias misturas para que não saíssem. A gente fez vários testes e de acordo com isso a gente pesquisou qual seria a melhor maquiagem. Tinha que ser resistente à chuva, ao suor. Tinha que ser à prova de qualquer coisa”, disse a maquiadora Suzana Caneca, acrescentando que as mulheres tiveram ainda uma preparação para esconder o cabelo e parecerem carecas. Cinco dos integrantes estavam vestidos com roupas de orixás e outros de guerreiros.
O primeiro carro, o Eden Africano, todo vermelho, levou para a avenida mulheres grávidas. “Eu sou uma delas. Estou sem palavras, foi muito lindo. Foi uma experiência que vai ficar na minha memória para sempre. Quando meu filho nascer vou contar para ele. Ele já tem história”, disse Pamela Oliveira, de 20 anos, que está com seis meses de gravidez do Anthony.
Para Pamela, a intenção era mostrar também que mulher grávida não é tão frágil, como se pode pensar. Lembrou que algumas trabalham até os 9 meses e isso, para ela, significa uma forma de independência e de garantir direitos que são negados às mulheres. “Em uma época que a gente está discutindo tanto igualdade entre homem e mulher, acho muito justo esse samba”, disse.
Portela
No enredo De Repente de Lá Pra Cá e Dirrepente de Cá Pra Lá, a Portela, que foi a segunda a se apresentar no Sambódromo, levou a águia, o seu símbolo, já no abre alas. Na frente da escola estavam também dois personagens que fazem parte da história da escola. O cantor e compositor Monarco e a cantora Tia Surica.
A escola contou a história dos imigrantes judeus que tiveram que sair de Portugal por perseguição religiosa e se instalaram, onde inauguraram no Recife, em Pernambuco, a sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira das Américas. Mas também precisaram deixar o local após a retomada da área por portugueses. Foram para Nova Amsterdã, que mais tarde se transformou em Nova York. A escola abordou também a intolerância contra a imigração.
A carnavalesca Rosa Magalhães, como costuma fazer, veio meio escondida em um carro alegórico, sentada em um bote ao lado da alegoria de uma caravela que simbolizava a viagem dos imigrantes. Por estar em uma das alegorias não pôde ter noção de como tinha sido o desfile na sua totalidade, mas a recepção do público ela sentiu que foi boa. “Graças a Deus”, indicou após ser ajudada a sair do bote.
Ao chegar na Praça da Apoteose, no fim da passarela, a Portela foi ovacionada com gritos de campeã pelo público das arquibancadas dos setores 6 e 13, que são populares. Se conquistar o título a escola será bicampeã. No ano passado dividiu o campeonato com a Mocidade Independente.
União da Ilha
O desfile da União da Ilha trouxe de volta para o Grupo Especial a alegria contagiante que a caracterizou em carnavais passados. O último carro, intitulado Ilha prepara a mesa do bar, faz a festa, estava com um time dos melhores chefes de cozinha que trabalham no Brasil. O chefe Claude Troisgros se emocionou de ver a culinária brasileira na avenida. “Foi maravilhoso, deu uma alegria representar a culinária brasileira no carnaval do Rio de Janeiro, que é o melhor do Brasil. É uma honra, estou muito emocionado com isso”.
A chefe Kátia Barbosa disse que passar na avenida deu o mesmo prazer com que preparam os seus pratos, principalmente os de comida brasileira. “E isso foi bom também para divulgar o que se faz no Brasil. É isso que a gente precisa valorizar todos os dias, a comida brasileira. As pessoas conhecem mais pratos estrangeiros do que os nossos. O que a gente quer é isso, que as pessoas conheçam, amem a comida brasileira como a gente ama”, disse.
As alegorias da União da Ilha mostraram diversos aspectos da culinária nacional e suas influências, como as que ocorreram com a dos negros e dos indígenas. Mas teve ainda o momento das sobremesas. Conforme os carros iam passando, chegavam, com eles, os cheiros. No que mostrava o cacau, claro, o aroma de chocolate ficou no ar. Mas a escola teve um momento especial de muita interação com o público. Foi com a bateria comandada pelo Mestre Ciça, que durante o desfile fez várias paradinhas com mudança nos ritmos e separando os naipes dos instrumentos. O público foi ao delírio em todas as vezes que isso aconteceu.
Unidos da Tijuca
Os desfiles da segunda-feira (12) na Marquês de Sapucaí começaram com a Unidos da Tijuca, que levou para lá um verdadeiro elenco para homenagear o ator, escritor, produtor cultural e até carnavalesco Miguel Falabella.
Ao descer do carro alegórico, a atriz Araci Balabanian estava emocionada ao chegar na Praça da Apoteose, no fim da passarela. “Acho que o Miguel merecia toda essa ovação que eu vi aqui na avenida. Ele merece isso e muito mais. Estou muito emocionada”, disse.
A atriz Cláudia Raia, que veio de estaque do carro La Mancha nas teias da Mulher Aranha, uma referência às produções internacionais que Miguel trouxe para o Brasil, disse que não poderia ficar de fora dessa homenagem. “Eu faço parte da vida inteira dele e ele da minha. Na vida e na arte é meu irmão”.
Como madrinha da bateria, a atriz Marisa Orth representou a personagem Magda, da parceria com Falabella que fazia o marido Caco Antibes. Marisa desfilou com uma faixa no pescoço com a palavra Caco, como a que Luma de Oliveira utilizou durante um desfile com o nome do então marido Eike Batista. “Foi maravilhoso. Foi bacana o desfile”, disse Marisa, voltando com uma pergunta: Eu que pergunto, foi legal?
O homenageado chorou no fim do desfile ao ver as arquibancadas populares nos setores 6 e 13 aplaudindo efusivamente. Depois, conversando com jornalistas, chorou de novo ao lembrar do pai que era um folião e com quem costumava aproveitar o carnaval. “Meu pai adorava carnaval e acho que ele ficaria tão feliz se ele pudesse ter visto isso hoje. Eu cresci com carnaval e desfilei a minha vida inteira. Eu conheço a comunidade do samba. Estou em casa”, revelou, emocionado.
Além de Marisa, Araci e Cláudia, desfilaram na Unidos da Tijuca as atrizes Arlete Salles, Ciça Guimarães, Zezé Polessa, Zezeh Barbosa e Alessandra Maestrini e o ator Marcelo Picci. Miguel afirmou que o fato de ter tantos artistas amigos com ele naquele momento só se explica pela troca de experiências que tem com eles.
Para Marcus Paulo, um dos carnavalescos da comissão de carnaval da escola, disse que estava com a sensação de dever cumprido. “O público brindou a gente cantando o nosso samba e no final gritando é campeã. Aí a gente viu que deu tudo certo e a gente sai com a sensação de dever cumprido. Agora só esperar a nota”
Imperatriz Leopoldinense
A verde e branco do bairro de Ramos, na zona da Leopoldina homenageou os 200 anos do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, na zona norte do Rio. A escola não esqueceu de nada. As alegorias mostravam desde a fachada do Museu, a origem e a evolução da vida até os espaços destinados às culturas egípcia e africana. Teve ainda um carro que representava o Santuário de Ossos. O setor era destinado a um novo mundo e seus novos habitantes: Vertebrata ET Invertebrata.
Um momento emocionante foi Maria Helena levar na comissão de frente, considerada tradicional, o seu filho Chiquinho. Os dois formaram um dos mais tradicionais casais de mestre-sala e porta-bandeira, mas há 12 anos pararam de dançar.
Com o enredo, a escola voltou também a uma característica que durante muito tempo marcou os seus desfiles. Gostava de contar histórias de reis, rainhas, príncipes e princesas. Como o Museu foi criado por dom João VI, os personagens estavam na avenida. Antes do carnaval o diretor de carnaval da Imperatriz, Wagner Araújo disse à Agência Brasil que os componentes da escola, a maior parte de comunidades da região, gosta quando a escola tem este tipo de enredo. E isso se confirmou na avenida. Belizário da Silva tocou na bateria e atualmente pertence à Velha Guarda. “Estou gostando muito. Está ótima. Nota mil. Já saio há 50 anos, fui fundador”, disse.