“Você vai em seu closet e seleciona aquele suéter azul cheio de bolinhas, por exemplo, porque você está tentando dizer ao mundo que se leva muito a sério para ligar para o que veste… Mas aquele tom de azul representa milhões de dólares e incontáveis empregos, então é meio cômico que você ache que fez uma escolha que te exclui da indústria da moda quando, na verdade, você está usando o suéter que foi escolhido para você pelas pessoas desta sala. De uma pilha de ‘coisas'” – Miranda Priestly no filme O Diabo Veste Prada.
Nas temporadas recentes, contra as regras de bom-gosto contemporâneas, a moda decidiu que peças antes abominadas, como pochetes, Crocs, vestidos de camponesa e sapatos ortopédicos grandões são desejáveis.
É uma provocação estética. Uma cutucada. O objetivo é confundir os observadores casuais e deixá-los coçando a cabeça. Mas não é exatamente uma piada. Os designers não estão fazendo essas roupas para o próprio entretenimento. Não totalmente. A meta é sempre vender.
E é aí que está: essas roupas são desajustadas e indiscutivelmente feias? Sim, e as pessoas vão comprar – porque são confortáveis, familiares e, ocasionalmente, práticas. A estética pode ser prejudicada. Os olhos irão se ajustar à nova beleza, eles sempre o fazem. Leva tempo e paciência, mas agora os jeans rasgados parecem normais, assim como as silhuetas oversized. Um vestido de gola alta com babados, estilo Laura Ingalls Wilder? É só aguardar.
O pioneiro dos feios – adjetivo usado aqui com carinho – foi a Birkenstock. Conhecida por sua sola deselegantemente moldada em um material que lembra muito granola prensada, a sandália alemã foi reimaginada de uma maneira superluxuosa, em 2013, pela designer Phoebe Philo. Para seu desfile da Céline, ela fez uma versão em mink. Ela as levou a outro patamar. E vendeu cada par por 900 dólares.
“Uma única modelo entrou na passarela usando um par de Birkenstocks, e os fashionistas ficaram boquiabertos porque finalmente estavam vendo algo diferente”, explica Susie Scheffman, stylist e consultora de moda. “É como um esnobismo reverso.”
Não muito tempo depois, Susie viu uma foto da atriz Milla Jovovich na capa da revista Edit. “Ela estava usando uma camiseta branca masculina, calças brancas e uma Birkenstock preta” lembra ela. “Isso me tocou em um nível profundo: é ela quem eu quero ser.”
E quem resistiria? Isso não foi muito antes da marca, que originalmente vendia suas sandálias a 125 dólares, fazer uma parceria com a Barneys New York para criar uma versão limitada forrada com shearling azul de 270 dólares. Uma colaboração com a Rick Owens surgiu em 2018, comercializando sandálias de pelúcia por 420 dólares.
Com seguidores devotados e a aprovação de podólogos, o sapato virou desejo ardente da moda. O fascínio da versão original foi polido. E sua irmã chique é tão confortável e usável quanto a primogênita.
O desejo pela Birkenstock é um exemplar da tendência anti-fashion, como comenta Sara Maggioni, diretora de compras e venda do WGSN. Em 2012, a marca vendeu 10 milhões de pares; em 2017, foram 25 milhões. “Sim, eles são feios”, diz Sara. “Mas têm uma silhueta familiar. Não são assustadores.”
O mesmo não pode ser dito sobre tênis gigantescos, Crocs de salto ou longos e esvoaçantes vestidos de camponesa. Os tênis, que fizeram sucesso em marcas como Balenciaga (895 dólares) e Maison Margiela (1645 dólares), são um agrupado de camurça, couro e malha que lembram uma colagem desajeitada. As solas – plataformas grudadas sobre plataformas – parecem ser um merengue moldado em borracha.
Os vestidos de camponesa, que também enchem os olhos, foram interpretados em múltiplas variações por Raf Simons na coleção de outono 2018 da Calvin Klein. Uma versão tem o comprimento até a canela, com o colarinho bordado. Só o seu profundo decote em V o diferencia de uma vestimenta Amish. Custo: 3900 dólares. Na Calvin Klein, o visual faz parte de uma coleção que explora uma grande faixa americana, que também inclui jaquetas de bombeiros, camisetas de cadetes e mantas de herança.
“Não é apenas roubar as roupas de sua avó”, ensina Sara. “Eles têm que ser adaptados aos gostos atuais.”
A grife Batsheva está 100% comprometida com o estilo Laura Ashley misturado com Gunne Sax e toques grunge. Um vestido de algodão de 420 dólares tem ombros bufantes e colarinho Peter Pan. Alguns têm bolsos na altura do peito. Às vezes, são combinados com chapéus coordenados para o máximo efeito. A Vogue ama. Matchesfashion.com vende eles junto a peças Prada e Saint Laurent.
Usar essas roupas com segurança é como atingir ao olimpo da moda: alto nível de dificuldade, risco significtivo de falha e tremendo direito de se gabar se tudo der certo.
Mas por quê? Por que Batsheva Hay – que cresceu no Queens e não em um vilarejo afastado em Nebraska, que é advogada formada em Georgetown e não uma fazendeira – criou uma linha inteira dedicada a vestidos de pioneiros que parecem que vêm com sua própria vaca para ordenhar?
“Eu sempre amei vintage”, explica. “Mas quando eu comecei a trabalhar como advogada, dez anos atrás, não podia usar as roupas que considerava achados. Daí eu pedi demissão, tive filhos e pensei ‘posso fazer o que eu quiser’.”
Ela se mudou para o Upper West Side, em Manhattan, e notou que muitos das pessoas mais velhas estavam andando pela vizinhança com vestidos estilo Laura Ashley, tênis e pochetes. Sua mãe era hippie nos anos 1960. Seu pai era israelense. Ela foi nomeada em homenagem a uma figura do velho testamento que pode ser ligada ao feminismo. Depois de ter uma filha, ficou obcecada em roupas iguais para mães e filhas. Esse tornado de influências a levou a criar uma coleção retrô, Velho Mundo, que se recusa a sexualizar o corpo das mulheres, mas ainda assim brincando com a feminilidade.
O vestido camponesa é “um estilo que mistura todas estas culturas. As pessoas os usavam na Europa Oriental e no sul dos Estados Unidos. Amo essas cores e estampas”, explica Batsheva. “Comecei os fazendo por desejo das pessoas e necessidade, e usei montes deles.”
Ela lançou sua coleção há dois anos. Suas roupas são desejo entre os entendidos de moda. E, se você os olhar com atenção e deixar seus olhos se acostumarem, talvez possa imaginá-los usados com o cabelo bagunçado e um par de botas, ou então tênis bem chiques.
A única coisa que você não combinaria com esses vestidos são saltos altos. “Apenas me parece errado”, comenta.
Mas quando tudo isso começou? – A moda já flertou com a estética feia no passado. O mais notável foi nos anos 1990, quando a Prada fez sucesso com suas estampas desagradáveis e cores tenebrosas. Mas é melhor falar do retorno lembrando do normcore, tendência anti-fashion que surgiu em 2013, colocando roupas banais em alta. Coloque aí um pouco do estilo de pai. Misture com a ‘perfeição falsa’ do Instagram. Uma pitada de ódio pela moda do grande público. E não esqueça de tirar o chapéu para marcas como Vetements, Balenciaga e Gucci, que começaram a falar sobre beleza não ortodoxa e fluidez de gênero.
“No passado, luxo significava feminilidade. Era sinônimo de uma bolsa linda ou de um belo suéter de cashmere”, conta Susie. “A maioria dessas peças são o oposto de feminilidade.” “É uma revolta contra o luxo que conhecemos”, continua. “No lugar de chamar atenção com luxo extraordinário, eles procuram o mundano.”
O visual anti-moda também ganhou adeptos entre os fashionistas, que estavam procurando peças mais autênticas. Esses produtos exalam populismo frígido e despretensioso.
Tudo isso é um lembrete de que a indústria da moda parou de ditar tendências. Os grandes conglomerados cederam o controle às redes sociais. E isso é o que faz nossos vizinhos também estarem usando. “O consumidor está ditando a moda do dia a dia”, explica Shelley E. Kohan, professora no Fashion Institute of Technology e especializada em vendas. As marcas estão “recebendo o feedback, adaptando a informação e a colocando novamente nas prateleiras”.
Em outras palavras, os consumidores são responsáveis por essa onda feia. Nós estamos sacaneando nós mesmos. Mas isso não significa que as pessoas, de alguma forma, neutralizam o poder hipnótico da moda. “Os designers olham em volta e dizem: ‘se as pessoas querem usar Birkenstocks, vou fazer uma com a minha marca’. Então, eles criam uma sandália de veludo ou com pedraria”, continua Susie.
A Givenchy fez chinelos de borracha de 295 dólares com seu logo estampado na faixa. A Gucci tem um modelo recém-lançado em sua parceria com Dapper Dan. A versão de mercado do slide não custa mais do que 10 dólares. Se a autenticidade é a chave disso tudo, “é mais legal ter a versão de grife ou a original?”, pergunta Susie. “A original é melhor, assim como qualquer outra coisa. É a coisa honesta e íntegra a se fazer.”
Mas é preciso certa confiança para andar por aí com um par de chinelos de 10 ‘conto’ sem marca. A maior parte das pessoas não tem. Elas preferem comprar um modelo da Fenty Puma by Rihanna, que custa 90 dólares, porque já viraram notícia e têm um selo de aprovação imaginário. “Os estilistas dão risada, porque eles ainda têm o poder de deixar todo mundo fanático.”
Eventualmente, o pêndulo da moda irá balançar. O visual sem caimento e meio esquisito irá parecer datado. Produções mais refinadas e polidas terão cara de novidade. Ou superfemino e supermasculino serão desejo. Alguma coisa vai.
Até lá, não tenha medo das pochetes, que hoje são usadas cruzadas, mas mesmo assim ainda lembram o visual típico de turistas. “É uma grande ressurreição. Elas são mais relevantes hoje em dia do que eram nos anos 1990”, comenta Shelley. “E é uma maneira prática de ter seu telefone com você e mesmo assim ficar com as mãos livres.”
Além de tudo, a moda feia é prática.